• A medíocre demissão da competência

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  • 18/04/2020 00:00

    Há bolsonaristas comemorando a demissão de Mandetta. Ele seria um “traidor”, “insubordinado”. Ora, o Presidente assinou o estado de emergência e o de calamidade pública. Emergência e calamidade são vocábulos que não enganam. Indicam quadro de extrema gravidade. Logo o Presidente desdenhou dessa gravidade, descumpriu os pressupostos de tais decretos, incentivando o desrespeito às orientações do Ministério da Saúde. Diante disso, a suposta “insubordinação” do agora ex-Ministro foi bem vinda, porque atendia a interesses maiores, a ditames constitucionais, de defesa da vida, que tem primazia sobre interesses políticos e, ainda mais, sobre cálculos eleitoreiros. Insubordinação em tempos de guerra pode até ser condecorada, quando ao salvar um exército do seu próprio general inepto, faz vencer uma batalha importante. Insubordinação, inclusive, é dever estatutário do funcionário público, que não deve cumprir “ordens manifestamente ilegais”. É ilícito, neste momento, participar e incentivar aglomerações. Ilícito quando não por lei específica, por ditame constitucional.

    Mas o Presidente agiu também com desvario. Desvario é, calar o comando que, em tão dura batalha, transmitia nexo, conforto e serenidade. Mas Bolsonaro, em seu despreparo, quer ribalta só para si. Por isso passou o último mês sabotando e “fritando” seu Ministro. Despedindo Mandetta, o presidente demite a lucidez e a ciência. Como pode custar vidas, foi uma tempestade de água fria nas esperanças da esmagadora maioria dos brasileiros. Que os ainda cegos vejam. Que os que ainda dormem, despertem de vez. Que percebam a soberba, a inveja e a ira. Para os católicos, pecados capitais. Para todos os seres sadios, no mínimo qualidades reprováveis. Foram estas as rasteiras motivações que nortearam a medíocre decisão presidencial de trocar um general confiável em plena guerra, por outro que sequer conhece o Exército que vai comandar (o SUS). Inclusive obrigando a uma sempre complicada operação de transição de equipes em pleno ascenso do pico da Covid-19. “Estou te demitindo, Mandetta, porque você foi competente.”. Logo virão, espalhadas por aí, como costuma ser o modus operandi dos seguidores do presidente, a divulgação de podres do Mandetta. É até possível que alguma coisa haja. Indicado por um líder ruralista, quando deputado, teria inclusive discursado a favor da privatização do SUS. Pouco importa. Na hora em que precisou servir ao país, ele cumpriu com coragem e sabedoria papel que não será esquecido. Inclusive de valorização e defesa do SUS e dos profissionais de saúde. Suas falas lúcidas, ao fim de cada tarde – mesmo sem jamais ocultar a dura realidade – eram um oásis de serenidade e até conforto em meio ao caos da pandemia. Farão falta.

    Bolsonaro indicou para o lugar de Mandetta o oncologista Nelson Teich. Mesmo sem qualquer experiência real com saúde pública, o novo Ministro pode até dar certo. Torcemos para que dê, oramos para que seja bom, pois é muito necessário ao país que assim seja. E só assim será se Teich não seguir os achismos científicos do capitão paraquedista. Mas se sua declaração de estar “completamente alinhado ao presidente”, não for mera retórica de protocolo, há risco do contrário. Então, lamentavelmente, corremos perigo. Não esqueçamos que, numa live em 22/03, Bolsonaro previu que essa “gripezinha” não ia matar mais do que 796 pessoas. A conta de hoje é de quase 2 mil mortos.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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