• A história de um herói marcado por tragédia

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  • 18/03/2018 00:05

    Da casa simples localizada na Rua Isaías Adão Gomes, no Alto Independência, o auxiliar de serviços gerais e pedreiro Jamil Muanes Antônio Luminato, de 56 anos, avista de longe o local onde morava a filha Drucilane Alves Luminato, de 27 anos;  e os netos João Victor, de dois e Rodrigo, de quatro. Os três morreram soterrados em março de 2013, após um deslizamento de terra atingir a casa da família que ficava na região chamada de Caminho do Meio. Jamil procura esquecer aquele dia, mas o temporal que caiu no último fim de semana, fez com que revivesse o drama de quem é obrigado a morar em áreas de risco: ele perdeu o irmão Eloitson Antônio da Silva, de 44 anos, vítima de uma barreira que destruiu parte da casa que morava, há poucos metros do imóvel de Jamil.

    "Quem não tem condições financeira não tem outra opção. Não tenho outra casa e nem dinheiro para morar em outro lugar. Tenho medo toda vez que chove, mas me responde: para onde eu vou com a minha família?", questionou o auxiliar de serviços gerais e pedreiro. Jamil mora com a esposa, Elisangela Pereira, de 37 anos; os três filhos – de 13, 17 e 20 anos – e uma netinha, de apenas sete meses. "Quando chove não dormirmos, ficamos preocupados pois sabemos que com a natureza não se brinca", frisou.

    Jamil é um homem marcado pelas tragédias causadas pelas chuvas de verão. Em 1981, ele foi considerado um herói ao ajudar no resgate de diversas vítimas de um temporal na região do Alto Independência, próximo ao local onde reside atualmente. Na época, as chuvas deixaram dezenas de mortos em toda a cidade. No dia da tragédia, Jamil tinha 20 anos e resgatou da lama o corpo de uma bebê. Uma foto de Carlos Mesquita, já falecido, registrou o drama do pedreiro naquele dia.

    "Eu só queria ajudar e desci a rua procurando socorro para a menina. A barreira destruiu a casa dela toda, não sobrou nada e toda a família foi soterrada. Cavei, retirei o corpo dela e corri para tentar salvar", contou Jamil, ressaltando que não gosta de lembrar daquele dia. "Saí da minha casa para ajudar as pessoas naquele dia, aqui nós fazemos isso, somos unidos e todos tentam ajudar da melhor forma", disse.

    Trinta e sete anos depois da tragédia de 1981, Jamil teve que enfrentar a dor de tentar retirar os escombros e da lama a filha e os netos. "Foi um momento de muita dor, não gosto de lembrar e nem de falar sobre isso", disse. O pedreiro não teve a mesma força para ajudar no resgate do irmão e apenas acompanhou o trabalho dos bombeiros. "Quando a gente vai ficando mais velho não tem tenta estrutura para aguentar", frisou. No dia, Jamil estava trabalhando e foi avisado pela esposa sobre o deslizamento.

    O bairro Alto Independência onde Jamil mora desde criança é considerado área de risco pela Defesa Civil (DC). Na cidade, são 234 pontos de risco alto e muito alto, o que equivale a 18% do território do município. Nestes locais vivem mais de 47 mil pessoas. A cidade tem um déficit habitacional de 12 mil casas e a Prefeitura busca recursos federais para investir em prevenção. 

    Enquanto as casas não são construídas e as obras que poderiam garantir um pouco de segurança para essas famílias, a Defesa Civil investe na sensibilização desses moradores mostrando a necessidade de deixar as casas em áreas de risco e procurar locais seguros em caso de temporal. A região do Alto Independência conta com as sirenes para avisar a população sobre o risco de deslizamentos, e com pontos de apoio para receber as pessoas. No entanto, na última chuva, que vitimou o irmão de Jamil, nenhum morador do bairro procurou esses locais. 

    "Geralmente os temporais acontecem à noite e a luz sempre acaba. Como você sai de casa, no escuro, sem conseguir encontrar os documentos, com criança pequena? Não é uma coisa fácil. A minha casa fica longe do ponto de apoio, corro o risco de sair na chuva e ser atingido por uma barreira. Sei que coloco a minha família em risco ficando na casa, mas também coloco em risco saindo na rua, no escuro no meio de um temporal", disse Jamil.

    Para o pedreiro a solução para evitar tantas mortes é investir em obras de infraestrutura, na construção de casas populares e na fiscalização. "Obras de drenagem ajudam bastante, preservar a natureza também. Aqui na nossa rua somos unidos e procuramos fazer de tudo para evitar as tragédias, mas o poder público precisa fazer a sua parte, como fiscalizar quando estão construindo casas em áreas que são proibidas e fazer as obras necessárias", concluiu Jamil.

     

    FRASES:

    "Tudo que fazemos na nossa casa é com muito sacrifício. Quem não tem dinheiro, ganha salário mínimo não consegue colocar uma calha, captar as águas da chuva, fazer um muro de contenção. O poder público precisa ajudar nestes casos, são medidas simples que ajudam a salvar vidas".

    "Tenho medo de morar aqui. Todos nós temos, quem não tem? Mas para onde nós vamos? Como comprar um terreno e uma casa em local seguro? Pobre não tem condições de fazer isso".


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