• A Casa da Mãe Joana

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  • 15/07/2018 08:00

    A língua é fascinante, não tem fronteiras, espalha-se pelo mundo sem cabresto. Independente dos normativos ou puristas, os idiomas se interpenetram, as palavras migram sem passaporte. Algumas se metamorfoseiam dentro da lei do menor esforço imposta pelos falantes.

     Não há limite na criatividade popular. Expressões linguísticas atravessam séculos na memória do povo. “A casa da mãe Joana” é uma expressão que serve como exemplo. Pelos estudos de Câmara Cascudo e Reginaldo Pimenta, o termo citado surgiu a partir da história da rainha de Nápoles e Condessa de Provença, Joana I, que, segundo as más línguas, não era flor que se cheirasse. 

    Na época, ninguém botava a mão no fogo por ela. Disseram que estava envolvida na morte do primo que era seu marido e foi assassinada por outro primo. E, como Nápoles fora invadida em 1348, período em que reinava, teve que se refugiar em Avignon. Nessa cidade, entre as medidas governamentais que adotara, regulamentou os bordéis. Por essa razão, os prostíbulos passaram a ser conhecidos como “o paço da mãe Joana”.

    De Avignon, o termo chegou a Portugal. E, de lá, veio ao Brasil com a colonização. Atravessou mares e aqui se adaptou. A palavra “paço” foi substituída por “casa” e foi ampliada a significação. Passou a designar também os lugares, nos quais ninguém obedece a regras. Cada um faz o que lhe convém. Não há critério a seguir.

    E diante do atual quadro político, a expressão “casa da mãe joana” vem sendo usada no âmbito legislativo, porque já se perdeu até o senso do ridículo. E o povo está a ver navios.

    A descrença, o descrédito vieram com a perda da decência. O escrúpulo da moralidade se esvai pelo cinismo. Na linguagem popular, a terminologia mais usada é “cara-de-pau”. Os fatos comprovam a falcatrua, mas o sujeito se apresenta como inocente e nega tudo.

    Hoje temos um problema grave no processo educacional: a falta de referência moral e ética.

    – Por quem, na política, você põe a mão no fogo?

    A educação não se restringe à transmissão de conhecimento. É necessário a definição de um critério de valores para determinar os referenciais do comportamento social. Por isso, a violação da Constituição é um crime. Há momentos que rogamos a Deus, porque já não se acredita nas autoridades governamentais.

    Os educadores que trabalham com adolescentes e jovens, às vezes, encontram dificuldades para exemplificar uma conduta ética, ilibada. “Aprendemos não para a escola, mas para a vida” (non scholae sede vitae discrimus) já dissera Sêneca. Portanto, são imprescindíveis os exemplos, os exercícios para aproximar a teoria da prática. Por isso que não dá para educar pelo “faça o que eu mando, mas não faça o que faço.” 

     Essa minha preocupação é porque as palavras movem, mas os exemplos arrastam. O que estamos assistindo no cenário nacional é uma avalanche de maus exemplos que estão desestimulando os jovens a seguirem pelo caminho bem. O estudar já não é mais o estímulo para “ser alguém na vida”, “ter um lugar ao Sol”. “O querer se arrumar para se dar bem” está substituindo o prazer de ter a consciência do dever cumprido a serviço do outro. A quem diga que o mundo é dos espertos. E assim deseja levar vantagem em tudo. Estes não podem reclamar dos serviços prestados na “casa da mãe Joana”, onde cada um puxa a brasa para a sua sardinha.

    Outro problema consiste na relativização das leis. Estão recebendo várias interpretações, nas diversas instâncias jurídicas. Isso tem provocado discussões na sociedade, que já questiona os pesos e as medidas.

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