• A resiliência do novo jazz

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  • 07/02/2021 07:30
    Por Julio Maria / Estadão

    A história do jazz mostra a velocidade com a qual esse gênero capta as transformações do mundo e as assume para si, criando em tempo real aos ajustes da vida humana novas correntes musicais. Desde o final do século 19, quando surgiu, o jazz passou a oferecer sugestões em ciclos de dez em dez anos sobrepondo (e não substituindo) camadas de sons organizadas de forma distinta que têm origem no ragtime (1890) e avançam com ordenamentos diferentes em uma linha que segue pelo Estilo New Orleans (1900), dixieland (1910), Chicago (1920), swing (1930), bebob (1940), hard bop e seu relativo cool jazz (1950), free jazz (1960) e fusion (1970). Então, depois de cinco décadas marcadas por uma liberdade de ação difusa e acesso cada vez maior com a quebra das fronteiras, percebe-se a força de uma nova fotografia. Jovens com idades entre 25 e 35 anos que atravessam agora a era da incerteza, do isolamento e das urgências militantes chegam com uma nova visão não só do jazz, mas do próprio jazzista.

    Quais são e como seriam esses jazzistas? As listas das maiores revistas de jazz do mundo, como as inglesas Jazzwise e The Wire, as norte-americanas Downbeat e JazzTimes, a alemã Jazzthing e a polonesa Jazzpress, além das publicações especializadas em jornais como The New York Times e Washington Post, fizeram há pouco suas costumeiras listas de melhores de 2020 e apostas de 2021.

    A reportagem procurou pelos nomes que se repetem em algumas delas com frequência e falou com eles para tentar entender se já existem características geracionais peculiares no som e no pensamento dos instrumentistas que estão sob holofotes.

    Jakub Wieçek, ou Kuba Wieçek, é um saxofonista polonês de Varsóvia de conhecimentos aprimorados em centros de Amsterdã e Copenhagen. Ele tem 27 anos e seu recente álbum, Multitasking, garantiu um prêmio de disco do ano da revista polonesa Polityka e o levou para a lista das apostas da Jazzwise. Sua música bruta, rítmica e despojada de solos longos e coerentes pode indicar um processo geracional. Se não foi, o álbum de Wieçek poderia ter sido criado inteiramente no computador de seu quarto. Ele diz ao Estadão: “O jazz é algo a mais do que apenas as notas que tocamos. Para mim, sempre foi sobre estar aqui e agora, sobre estar aberto à possibilidade de que a cada segundo tudo possa mudar. Sempre se tratou de correr riscos, buscar o desconhecido e aceitar erros para depois criar arte a partir desses erros.”

    Ele diz que novos idiomas estão sendo definidos pelos meios tecnológicos em que o jazz é cada vez mais produzido em tempos de pandemia, ou seja, por aplicativos e programas de gravação. “Jazz é sobre o som e a maneira como você o produz e o funde com coisas de diferentes gêneros.” Mas é sua fala seguinte que talvez dê a maior pista de uma das mais polêmicas reavaliações do gênero. “Eu não acho que ser virtuoso seja algo que importe tanto quanto importava há oito anos, pelo menos. Acontecem tantas coisas no mundo que estamos agora apreciando mais o minimalismo.”

    Wieçek parece falar por muitos. Nas mãos do inglês crescido em Barbados Shabaka Hutchings, por exemplo, um dos nomes mais festejados pela crítica de Londres e dos Estados Unidos, o sax também atua em peças de linhas curtas, misteriosas, tensas, às vezes eletrônicas, urbanas e mântricas, dialogando em algum nível com sua ancestralidade africana. Não parece importar a eles buscar serem os melhores nem sequer dominar seus instrumentos, uma cultura perpetuada sobretudo no jazz dos sopros desde o bebop de Charlie Parker.

    Não importa ser o melhor. Um posicionamento jazzístico aceitável nos últimos tempos é criado por um artista que sabe onde colocar as poucas notas extraídas de um sax. “Virtuosismo é coisa de quem cultua o passado”, diz o crítico e estudioso do jazz e da música clássica João Marcos Coelho. “E isso não significa que esses trabalhos sejam piores. Há músicos muitos bons que entenderam que não precisam mais ser virtuoses.”

    E então, qual seria hoje o peso dos pesos do jazz? Thelonious Monk, Charlie Parker, Sonny Rollins e Horace Silver ainda influenciam um artista jovem com a mesma carga determinante de sua própria linguagem ou estariam todos cada vez mais no status de respeitados do que perseguidos? Guitarrista e cantora de Santiago do Chile com a carreira baseada em Nova York há mais de dez anos, Camila Meza, definida pelo crítico do The New York Times Nate Chinen como “uma combinação atraente de leveza e profundidade”, diz que sim, as referências para sua geração seguem sendo decisivas. “Mais do que reverenciar os grandes, nós os experimentamos e os mesclamos, o que nos leva a uma criação interessante e cheia de movimento.” Sua performance clássica é fruto de seu discurso. Camila ama Pat Metheny, Herbie Hancock, Chick Corea, John Scofield e Milton Nascimento, o que se percebe em seu álbum Ambar, o mais nostálgico dos três anteriores.

    Sobre o peso das escolas, Kuba Wieçek tem outra percepção. “Eu gostava tanto de fazer minha própria música enquanto era forçado a tocar bebop em Amsterdã que realmente passei a não gostar dos standards. Só me apaixonei por eles quando me mudei para Copenhagen e descobri o amor que havia lá pela tradição do jazz.” Na vibrante cena na Polônia, ele diz, as coisas são diferentes: “Temos respeito por eles (os mestres), mas muitos jovens não os seguem de forma alguma. Os alunos são mais influenciados por músicos de jazz modernos do que por Charlie Parker e Sonny Rollins”.

    O jazz pós-pandemia. O isolamento social prolongado por causa da covid-19 e o distanciamento que pode deixar sequelas mesmo em um mundo vacinado seriam capazes de transformar a linguagem do jazz? Música originária do encontro de povos nascida não por acaso em New Orleans – franceses, espanhóis, ingleses, italianos, alemães, eslavos e afro-americanos namoraram e tiveram filhos -, o que seria do jazz do não encontro? Não vale falar a palavra “live”. “Eu gravei um álbum com o grande trompetista Dave Douglas de forma distanciada em 2020, cada um de sua casa. Primeiro o baixo e, depois, somamos os outros instrumentos, mas parece que estivemos em um mesmo estúdio. Foi um descobrimento”, diz Camila Meza. “O jazz é uma música resiliente. Sempre encontramos uma maneira de fazê-la como música espontânea junto a outros seres humanos. Queiramos ou não, esta é uma necessidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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