• Uma opção de vida

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  • 07/11/2016 08:00

    Liberdade, liberdade, as tuas asas estão em nossa alma. 

    Escrevo este texto movido pelas lembranças de um amigo que partiu. Conheci o professor Luiz Sergio na Escola Viva. A primeira pergunta que veio à cabeça, quando o vi falar, foi a seguinte: “onde ele põe os seus limites?”

    Tinha um enorme senso de liberdade. Passava a ideia de que tudo deveria ser vivido intensamente, como se a vida fosse infinita a cada segundo. Não havia um padrão a ser seguido, não havia forma, nem fôrma. O único conceito rígido que ele me transmitia era de que a vida deveria ser lúdica e mergulhada em Música, na expressão máxima. Em se tratando da qualidade musical, era inflexível. O seu espírito não era adepto a barulhos. 

    Passei a conhecê-lo melhor, depois que ele doou vários livros da sua biblioteca para o Centro de Estudo de Jovens e Adultos (CEJA). Por ter acesso a esses livros, li o que leu. Compreendi um pouco da sua concepção mística da vida. Trabalhamos juntos na citada unidade escolar da rede pública estadual. 

    Várias vezes, encontrei-o na rua, depois que ele se aposentou. Sempre ouvia as suas palavras de incentivo. Cultivava bem a autoestima. Encontrava um jeito de ser feliz apesar das dores do dia. 

    Lembro quando me falou de um problema que tinha na perna: “Dói, mas eu ando assim mesmo. Não vou ficar em casa lamentando, curtindo a dor. Quero ver gente, conversar com as pessoas. E assim, eu me esqueço dela e ela me esquece.”

     Depois desse dia, encontramo-nos várias vezes, e ele nem sequer tocou mais nesse assunto. Nem perguntei pelas dores, porque não deixaram saudades. 

    Quando perdemos um colega de trabalho, ficamos com esse vazio. Esse sentimento de menos um, porque somos poucos nesta luta para mudar a realidade por meio da arte, da educação, dizendo não à violência, renegando qualquer doutrina que procure estabelecer formas e fôrmas, padronizando rótulos.

    Quando conversávamos, as nossas utopias se encontravam. Geralmente falávamos de conceitos que fazem refletir sobre o “estar no mundo”. Para ele, viver não era acumular bens. Mas estar bem. Tudo valia apena, porque não tinha a alma pequena…

    Gosto das pessoas que valorizam o ser e não o ter. Às vezes, nos nossos encontros pela rua, lia no meu rosto: “hoje você está meio apreensivo”, “hoje está mais solto”, …

     Confesso que nunca tive a coragem para me desprender de tudo, de soltar todas as amarras e deixar a alma livre para agir, seguindo a vontade do coração. Toda vez que ele me falava que gostaria de ser cremado, eu me ressentia, por causa das minhas convicções religiosas, que ele também colocava em questionamento. 

    Diante do que pensava, o desejo de ser cremado era coerente.  Eu respeitava, entendia, por isso aceitava, apesar de todas as dúvidas que tenho sobre esse ato, embora saiba que o homem seja pó e ao pó voltará.

    – Caríssimo mestre, só não me peça para segurar as lágrimas neste momento. Não vai dar para sorrir agora. Não esquecerei os momentos em que tivemos a oportunidade de conversar. Voava com as asas de suas palavras. 

    O respeito mútuo era intenso. Quando conversávamos, eu me colocava como aprendiz.  O seu abraço emanava ternura. Para isso, Deus lhe deu braços longos. Os seus momentos de irritação eram engraçados: levantava o olhar e dizia o que pensava, sem nenhuma autoflagelação ideológica ou senso de culpa. Deus o fez para viver. Acho que você descobriu isso, ou Ele falou baixinho no seu ouvido, mesmo você O questionando. 

    – Paz e Bem.


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