• No chileno ‘Agente Duplo’, viúvo que se infiltra em casa de repouso

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  • 23/01/2021 08:01
    Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

    O Chile é outro país que decidiu apostar num documentário para tentar uma vaguinha entre os candidatos ao Oscar de filme internacional. Agente Duplo, de Maite Alberdi foi exibido na competição de documentários internacionais no Sundance Festival e já está disponível no Brasil, no Globoplay. O longa-metragem é no mínimo original em sua premissa, tendo como personagem principal e guia um viúvo recente que se infiltra numa casa de repouso para idosos para checar o tratamento de uma das moradoras, a pedido de um investigador particular contratado pela filha dela. “Eu queria fazer um documentário noir sobre um detetive particular”, disse Alberdi em entrevista ao Estadão por videoconferência. “Nunca vi um documentário sobre um investigador desses, então minha pergunta era o que acontecia na realidade com essa figura de um território da ficção.”

    Somente um detetive particular contatado permitiu que ela filmasse suas atividades, Rómulo Aitken. “Fiquei impressionada como muitos casos não faziam sentido para mim, com pais querendo seguir os filhos, universidades seguindo professores.” Mas aí apareceu o caso da casa de repouso. A filha queria checar se a mãe estava sendo bem tratada. E Alberdi viu ali a oportunidade que procurava, por já ter feito filmes com pessoas idosas antes.

    O investigador normalmente contratado para casos assim não estava disponível, e Romulo teve de fazer um teste para homens entre 80 e 90 anos que pudessem ter esse papel. Imediatamente, Sergio Chamy, que tinha ficado viúvo fazia pouco tempo, pareceu o candidato ideal – pelo menos para Alberdi. “Eu não sabia exatamente como seria, mas ele tinha uma energia diferente”, disse a cineasta. “Eu me apaixonei, porque Sergio era tão espontâneo, se conectava facilmente com os outros, era engraçado, sincero, inteligente. Muito cineasta de ficção diz que sabe quando é o ator certo assim que ele ou ela aparece, e aqui foi assim. Tive de implorar para o Romulo contratá-lo.” Sergio não era o melhor para coletar informações, tinha dificuldades até mesmo em mandar mensagens de voz no WhatsApp e discrição não era seu forte, o que rende cenas divertidas. “Mas ele foi maravilhoso. Por causa dele, a perspectiva do filme mudou completamente”, lembrou a diretora.

    No princípio, ela achou que ia fazer um filme de denúncia sobre as más condições numa casa de repouso. Mas depois percebeu que não havia nada de errado com o lugar, e Sergio tinha se tornado um narrador da vida na velhice. Maite Alberdi se sentiu culpada de ter mentido à direção do estabelecimento ao dizer que fazia um filme sobre a velhice. Mas eles viram o filme e não tiveram objeções. Porque, no fim das contas, seu documentário é, sim, sobre a velhice e também sobre esses locais que se tornaram essenciais na vida moderna. “Antigamente, não era comum ter parentes nesses locais. Os avós moravam com os filhos e netos. Mas hoje moramos em casas menores, onde não há espaço para eles muitas vezes. Precisamos das casas de repouso”, explicou Alberdi.

    O problema é que a relação da sociedade com esse tipo de estabelecimento é complicada. A maioria das pessoas na casa de repouso em questão nunca recebia visitas. Por isso Sergio é tão cativante: ele faz questão de se conectar com os outros moradores com carinho e atenção, o que resulta em cenas emocionantes. “A casa de repouso não pode significar uma morte simbólica para essas pessoas. Não à toa quem vai fica com medo de perder contato”, afirmou a diretora. Fora que isso retira da sociedade as pessoas mais velhas. Uma das coisas mais surpreendentes para Alberdi é a quantidade de crianças e jovens que contam a ela nunca terem visto tantos idosos juntos. “E na minha infância não era assim.”

    Tanto que pouca coisa mudou de maneira prática na casa de repouso do filme durante a pandemia. “Eles me contaram que a vida continuava a mesma porque agora eram obrigados a fechar a porta para visitantes, mas antes essa porta já estava fechada porque ninguém vinha”, disse Alberdi. “Muito antes do isolamento provocado pela covid, já havia uma pandemia de solidão. As pessoas já estavam morrendo sozinhas. Eu filmei funerais sem familiares.” Ela espera que o filme faça com que mais gente tente pelo menos manter um contato mais próximo com seus familiares. “Basta pegar o telefone.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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