• Estados e municípios burlam regra para reajustar salário de funcionalismo

  • 24/01/2021 16:00
    Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli / Estadão

    Na semana do Natal, enquanto Manaus já agonizava com a piora da pandemia e a falta de oxigênio nos hospitais, a Câmara de Vereadores da capital do Amazonas se reuniu em sessão extraordinária no dia 21 para aprovar dois projetos que aumentaram os salários de vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários e subsecretários. A partir de 1º de janeiro de 2022, o salário do prefeito de Manaus subirá de R$ 18 mil para R$ 27 mil, e o dos vereadores, de R$ 15 mil para R$ 18,9 mil.

    A Câmara de Vereadores de São Paulo seguiu os colegas de Manaus e dias depois, em 23 de dezembro, aprovou em segundo turno um aumento médio de 46,6% para os salários do prefeito, Bruno Covas (PSDB), do vice e dos secretários da capital. A promulgação da lei foi publicada no dia 24, com o reajuste no salário de Covas de R$ 24.175,55 para R$ 35.462,00, também a partir de 2022.

    Embora estejam proibidos reajustes para servidores até o fim deste ano, municípios e Estados estão burlando a regra para dar aumento ao funcionalismo . Além das duas capitais que já contrataram os aumentos para 2022, pelo menos sete Estados deram reajustes ou abriram caminho para aumentos ao funcionalismo neste ano apesar da restrição legal, segundo levantamento feito pelo Estadão (ver quadro ao lado). A Lei Complementar 173, que garantiu socorro aos Estados e municípios durante a pandemia, congelou salários de servidores federais, estaduais e municipais e vetou aumento de gastos de pessoal até dezembro de 2021.

    Sem congelamento

    O congelamento dos salários foi um movimento capitaneado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para evitar que o dinheiro repassado ao combate à covid-19 se transformasse em aumento de salários em ano de eleições e de pandemia, quando milhões de trabalhadores da iniciativa privada perderam emprego e tiveram salários cortados. Em suas aparições públicas, o ministro costuma destacar a economia de até R$ 132 bilhões obtida com a medida. Mas, com o “jeitinho” brasileiro, a regra tem sido desfigurada para abrir caminho a aumentos de gastos obrigatórios e permanentes.

    Na época da votação, parlamentares contrários ao congelamento alegaram que nenhum prefeito ou governador daria aumento em plena pandemia. O crescimento dos gastos com pessoal é um dos principais gargalos que comprometem as finanças dos governos regionais. Porém, os arranjos políticos mostram uma disposição diferente.

    Embora os casos se concentrem em Estados e municípios, nem mesmo a União escapa das brechas: o Executivo federal já abriu edital para 3 mil vagas na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal.

    Procurados pela reportagem, alguns órgãos silenciaram, e os que responderam rejeitaram qualquer afronta à proibição da lei que concedeu o socorro a Estados e municípios. As justificativas variam: as medidas já estavam previstas ou são cargos que estão vagos (para os quais não haveria vedação à reposição), ou ainda as autorizações não são impositivas.

    O Ministério da Economia, que brigou pela manutenção da regra quando o próprio Congresso Nacional ameaçou derrubar a proibição, diz que a fiscalização cabe aos Tribunais de Contas estaduais e municipais.

    E sobre o próprio concurso autorizado pela União, a pasta informou que eles se enquadram na exceção da lei, que permite contratações para repor vagas em aberto.

    Estados em crise usam brechas para contratar

    Governadores e prefeitos têm se aproveitado de brechas da Lei Complementar 173, que proibiu reajustes e ampliações de gastos com pessoal como condição para um socorro bilionário durante a pandemia da covid-19, para mesmo assim conceder aumentos ou fazer contratações. O grupo inclui Estados em péssimas condições financeiras e que estão na fila por um socorro da União.

    No Rio de Janeiro, a Assembleia do Estado incluiu no Orçamento a previsão de um plano para a revisão dos salários – na prática, uma brecha para concessão de reajustes. Em estado de calamidade financeira desde 2016 e sob o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desde 2017, o Estado ainda pagará salários 11% maiores para o governador e integrantes do primeiro e segundo escalão do Executivo, após a revogação de uma lei que cortava essas remunerações. O rombo nas contas públicas previsto para este ano está na casa dos R$ 20 bilhões.

    A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) do Rio informou que a emenda do Orçamento “não é impositiva”: “Pode haver ou não um plano de revisão anual dos servidores, o que não implica em um aumento salarial ou contratações. Não há previsão de reajustes.”

    Em Goiás, a Assembleia aprovou um reajuste de até 64,61% para professores com contratos temporários que ainda não recebiam o piso nacional da categoria. A secretária de Economia do Estado, Cristiane Alkmin, disse ao Estadão que o aumento não conflita com a lei do socorro porque o piso dos professores é determinado por uma legislação federal, anterior à pandemia, e a lei trata esse tipo de aumento de gastos como uma exceção à proibição.

    No Pará, o governo concedeu reajuste de 3% para delegados da Polícia Civil e ainda determinou um pagamento retroativo de abono salarial a servidores da segurança pública, referente ao período de 2014 a 2017. O anúncio foi feito pelo governador Helder Barbalho (MDB) e pela agência oficial de notícias. O governo do Estado, porém, não respondeu ao pedido do Estadão para detalhar o impacto financeiro da medida e se há violação das restrições impostas pela lei 173.

    Em Mato Grosso do Sul, o governo discute uma proposta para incorporar o adicional de produtividade ao salário de fiscais tributários e auditores do Estado. Na prática, isso eleva a remuneração porque outros benefícios incidiram sobre o salário mais gordo – além de não haver impedimentos no futuro para a criação de novos adicionais. O governo estadual também não respondeu à reportagem.

    Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) adota o discurso contra privilégios, mas sancionou uma lei que amplia possibilidade de novas gratificações para o Judiciário estadual e aumenta o número de vagas para desembargadores. O governo mineiro não respondeu ao pedido de entrevistas.

    Já o Rio Grande do Sul anunciou concursos públicos para preencher 3,4 mil vagas, a maior parte de professores e profissionais da Secretaria de Saúde. Tanto a Procuradoria-Geral do Estado quanto o governador, Eduardo Leite (PSDB), afirmaram em recente entrevista coletiva que as contratações não violam a lei porque preenchem cargos que já estavam vagos. Nas prefeituras de São Paulo e Manaus, os reajustes ficaram para 2022, mas já foram contratados e, no caso da capital do Amazonas, pode ser implementado ainda este ano, caso a proibição na lei federal seja revogada. Além disso, a remuneração dos prefeitos funciona como teto da remuneração dos servidores municipais.

    Em São Paulo, categorias vinham pressionando os vereadores a conceder o reajuste para driblar o que vinha então funcionando como trava, impedindo mais aumentos para a elite do funcionalismo. A Prefeitura disse ao Estadão que a lei do reajuste é “autorizativa” e que o teto salarial só será alterado se a pandemia estiver superada em 2022.

    Segundo a assessoria do prefeito, Bruno Covas (PSDB), a mudança é importante porque o teto do funcionalismo não é corrigido desde 2012, e a defasagem favorece a evasão de profissionais de carreiras com salários elevados e com alta qualificação, como auditores fiscais.

    Em Manaus, nem a Câmara de Vereadores, nem a Prefeitura responderam aos pedidos de informações da reportagem. Em abaixo-assinado, entidades, instituições, pastorais e movimentos sociais pediram a rejeição dos projetos.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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