A poesia é senhora
Neblina de serra estimula a introspecção. É que esse ruço, como aqui a chamamos, inunda a alma com certa melancolia. E, como disse Gil, “a tristeza é senhora”. Do samba, cantado exatamente pra mandar a tristeza embora. O que resulta em: tristeza, que dá samba, que outorga alegria, que manda a tristeza embora. Assim, a melancolia. Que faz poesia, ofertante de alegria, que manda a melancolia embora. Assim, se para nossa alegria precisamos de poesia e de samba, necessárias são a tristeza e a melancolia, para que se feche virtuoso círculo em que tudo começa, novo, e novamente.
É que se a alegria pede agito e perna na praça, a poesia carece quietude de ócio calado, silêncio de alma na rede, introspecção. Então, que bom que nos desça o ruço, depois de tempos em que o sol explodiu as barrancas floridas dos rios petropolitanos, para que certo tipo especial de gente vá às letras arrancar da brancura inexplorada cores para a florada de palavras que servirão no jantar de mandar tristeza embora. Petrópolis, terra de ruço, tristeza e melancolia, é, como poucas, terra de espantadores de tristeza. Logo, terra de alegria, porque terra de poetas. E tantos, que há quem os colecione.
Eu colecionei selos, flâmulas, miniaturas. Outros preferem brinquedos ou samambaias. Mas Paulo César Santos, poeta-professor, é colecionador metódico e consciente de poetas. Segredo do bom colecionador: saber distinguir o valoroso da duplicata gratuita, evitar o falso selo, e fazer da coleção um quadro representativo da filatelia brasileira ou dos chaveiros de souvenir, por exemplo. Ou da poesia. Com um currículo cheio de coletâneas que servem à história e inauguraram ou desvelaram carreiras literárias, Paulo César agora nos oferece “Poetas Petropolitanos – Uma Saudade”. Um presente à cidade, necessário a qualquer estante que se preze. Colecionando 118 dos nossos homeros incógnitos, empenhados versejadores, poetas fabulosos, Paulo César fala desta aldeia do Córrego Seco, o que, sabemos, determina fale do mundo. Por isso, o robusto panorama de estilos e caprichos que é sua antologia não diz só da poesia petropolitana, retrata a poesia brasileira.
Arte da seleção, é o que praticou Paulo César aos garimpar poetas de tantas espécies e estirpes. Gosta você de conhecer a história da cidade? Lá se fartará. Quer saber mais sobre personalidades que nos fizeram? Lá está água boa de beber. Gente que aqui lecionou, medicou, subiu aos palcos, abriu salões para saraus, brilhou em tribunais, em balcões de comércio, salões de música, tribunas da política, cadeiras de academia, mesas de repartição. Não falta o poeta que usava coroa de ouro. Nem os que guerrearam em revoluções. Ou aquele a quem Drummond deu coroa de flores. Há aquele que é cantado no hino nacional. Há bardos aqui paridos, como há cantadores por esta serra adotados. Há médicos que praticavam versos e percebemos que por isso ofereciam saúde melhor. Notamos o quanto a lírica favorece a educação, tamanha a quantidade de grandes professores que lá consta. Advogados que, em horas livres, peticionavam às musas. E sonetos bem exercitados, odes bem lançadas, versos livres para voar, belos ismos que é desnecessário classificar. E lado a lado, nas coincidências da ordem alfabética, o autor pôs minhas duas maiores admirações, meu pai, Dinizar de Araújo e Pedro II, o Imperador honesto. Sendo a poesia um desnudar, Paulo César Santos mostrou a alma petropolitana. Ela é bonita. Senhora.
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