Bombeiros lembram momentos de comoção na busca pelas vítimas do Vale do Cuiabá
“Não tinha noção da dimensão da tragédia, nem durante o dia. Só fui ter noção quando sentei pra comer alguma coisa e já era 21h. Quando eu vi Friburgo e Teresópolis. Quando vi aquele teleférico destruído. Eu falei: meu Deus, que coisa impressionante. Foi terrível”, lembra o coronel bombeiro militar Souza Vianna, que era o comandante do 15º Grupamento Bombeiro Militar, em 2011.
Foram 78 dias de buscas na região do Vale do Cuiabá. Os bombeiros encontraram 74 corpos e um membro inferior. Os últimos corpos foram encontrados já dois meses depois na região conhecida como Vale da Lua. Muitos continuam desaparecidos, e tiveram a morte presumida. Órgãos oficiais não conseguiram quantificar o número exato de desaparecidos, e algumas famílias não reclamaram os corpos até hoje.
Coronel Souza Vianna, que hoje é reserva do Corpo de Bombeiros, atuou em alguns dos eventos mais marcantes em Petrópolis, como o desastre em 1988, e a enchente em 2008, em Itaipava. “Em 2011, o que mais me chocou foi a força da água, a gente não pode subestimar nunca. Petrópolis ainda tem uma resiliência. O povo é muito resiliente nesse aspecto, mas isso infelizmente deixa as pessoas mais relaxadas, e acabam ocorrendo novas tragédias”, disse.
Naquele dia, sem contato por telefone, equipes dos bombeiros ficaram isoladas. Com a chegada de reforços, as equipes foram divididas e passaram dias tentando encontrar sobreviventes e resgatar famílias que estavam ilhadas. “Parecia um cenário de guerra, um bombardeio. As pessoas saindo com as suas coisas, não sabiam o que ia acontecer. Ainda tiveram boatos de que uma represa estava pra arrebentar. Coloquei quatro bombeiros para atravessarem do Vale do Cuiabá até Teresópolis. Aí que tive uma ideia realmente do que tinha acontecido. Os boatos machucam e interferem muito, mais do que a coisa verídica que tinha acontecido”, disse o coronel.
Entre os militares que integravam as equipes estava o coronel Ramon Camilo, que na época era major e atuava no Comando de Bombeiros de Área II – Região Serrana (CBAII), onde atualmente é o comandante. No primeiro momento, coronel Camilo trabalhou no resgate dos sobreviventes em Teresópolis, segunda cidade com o maior número de mortos na tragédia. Quando foi designado para Petrópolis, na semana seguinte, o coronel comandou a equipe de salvamento de um grupo de 54 famílias que estavam ilhadas na localidade do Tapera, no Vale do Cuiabá.
“Fizemos uma caminhada de praticamente três horas para fazer a retirada das famílias. Até então a informação que tínhamos era de que uma casa com cinco pessoas estava ilhada com risco de novos deslizamentos e enxurrada. Fomos com uma equipe de aproximadamente 15 homens e tão logo nos deparamos com um cenário bastante complexo. O riacho que tínhamos que transpor não era somente um riacho. Tinha aberto um rio caudoloso, muito extenso, com muitas pedras. A enxurrada mudou até a direção do rio. Nós fomos subir nessa casa, e tinham várias famílias fazendo um total de 54 pessoas, inclusive com crianças e um bebê. Eles já estavam há uma semana sem alimentação e sem poder sair por esse problema da enxurrada. Ilhados”, lembra o comandante Camilo.
Todo o Corpo de Bombeiros do estado do Rio de Janeiro foi mobilizado para a maior tragédia do estado. Contou com a ajuda das forças armadas, com o emprego de aeronaves de vários órgãos e particulares. Uma força de socorro e salvamento foi montada por órgãos oficiais, mas, paralelo a isso, uma rede de solidariedade da sociedade civil fortaleceu o trabalho das equipes. Os bombeiros recordam com carinho dos muitos momentos em que passavam carros e caminhonetes oferecendo água, quentinhas, lanches aos bombeiros em combate.
“O cenário era caótico”, descreve coronel Camilo. E por isso era tão difícil avaliar o que foi marcante naquele dia. “Teve uma cena que me lembro. No final do Vale do Cuiabá tinha uma fazenda chamada Fazenda São Francisco. Fomos movimentados pra lá, chegando lá um senhor moreno, de olhos claros, não me recordo nome dele. Mas lembro que ele falou pra mim que teve a enxurrada, e tinha uma casa num talude mais alto. A água chegou ali e infelizmente carregou uma senhora grávida, uma criança e acho que o marido também. O marido não conseguiu puxar a esposa grávida. Isso foi marcante pra mim”, lembra.
A memória das vítimas da Tragédia da Região Serrana está sendo homenageada pelo Governo do Estado, após esses 10 anos. Em Petrópolis, na madrugada deste dia 12 de janeiro, uma solenidade no quartel do 15º GBM marcou a memória dos cinco bombeiros militares que morreram no desastre. O 2º sargento Marco Antônio Verly da Conceição, os cabos Victor Lembo Spinelli e Flávio Uanderson Rodrigues de Freitas, que prestavam socorro às vítimas e não resistiram aos ferimentos. Outros dois profissionais eram moradores de Teresópolis, uma das cidades mais atingidas pela tragédia, e estavam em casa quando as residências foram atingidas. São eles os bombeiros Isaac Bravo (lotado no próprio quartel de Teresópolis) e Ruan Carlos Guarillha (lotado no Grupamento de Socorro Florestal e Meio Ambiente, em Magé).