• Mineração cobre mais de 20% do território indígena na Amazônia

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  • 05/01/2021 13:00

    Um novo relatório do World Resources Institute (WRI) e da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) revela que a mineração impactou mais de 20% do território indígena da Amazônia.

    A análise mostra que as taxas de desmatamento são até três vezes maiores em terras indígenas que sofrem com a mineração.

    Os autores do estudo sugerem que uma melhor aplicação da lei, maior investimento em comunidades indígenas e proteções ambientais mais rigorosas são necessárias para combater a onda de mineração na Amazônia.

    A mineração, tanto legal quanto ilegal, afeta mais de um quinto do território indígena na Amazônia, segundo novo estudo do World Resouces Institute (WRI) e da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).

    Outras pesquisas mostraram que a mineração de ouro e outros minerais pode prejudicar os ecossistemas locais dos quais essas comunidades dependem, aumentando as taxas de desmatamento e poluindo rios. A busca por minerais muitas vezes leva problemas como uso de drogas, alcoolismo e prostituição para comunidades criando conflitos sociais.

    A mineração se estende para mais de 1.131 territórios distintos em 450.000 quilômetros quadrados dos seis países amazônicos incluídos no estudo — Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana e Peru — escrevem os autores. A análise revela que as florestas desaparecem até três vezes mais rápido em locais com mineração e os produtos químicos usados pelos mineiros, que muitas vezes são tóxicos como o mercúrio, chegaram a 30 ou mais rios na maior floresta tropical do mundo.

    Michael McGarrell, coordenador de direitos humanos da Cordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA) e representante da Amerindian Peoples Association na Guiana, que não participou do estudo, disse que a onipresença do setor não é novidade para os líderes indígenas. A COICA é uma organização que representa grupos indígenas na Amazônia.

    “A nova pesquisa do WRI confirma o que os líderes indígenas têm reportado à COICA de toda a Amazônia. Com a pandemia do COVID-19, a situação só piorou”, disse McGarrell a repórteres em uma chamada pelo Zoom. “Estamos sob cerco da mineração legal e ilegal, e nossos governos estão fazendo pouco para nos ajudar a proteger e impor os direitos que já existem”.

    Os países abordados pelo estudo possuem leis que ligeiramente reconhecem os direitos dos indígenas à terra. No Brasil, toda a mineração em terras indígenas é proibida pela Constituição do país, embora este ano Jair Bolsonaro tenha levado um projeto de lei no Congresso para mudar essa provisão. Esses seis países também são partes de acordos internacionais sobre esses direitos. Todos assinaram a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e todos, exceto a Guiana, assinaram a Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 1989.

    Mas proteger as comunidades indígenas diante desse ataque à mineração exigirá maior cumprimento das leis e participação mais ampla de todos os setores da sociedade, disse Peter Veit, diretor da Land and Resource Rights Initiative da WRI e um dos autores do estudo.

    “A proteção dos territórios indígenas – incluindo o desenvolvimento sustentável e os benefícios ambientais que eles geram – exigirá compromissos mais fortes e ações urgentes de governos, empresas, líderes da sociedade civil, organizações não governamentais e outros”, disse Veit. “O novo relatório detalha os compromissos e ações para todos os atores chave para que os povos indígenas possam proteger com segurança suas terras e meios de subsistência”.

    Rio poluído com rejeitos de mineração na Floresta Amazônica. Imagem de Rhett A. Butler/ Mongabay

    Ao mesmo tempo, faltam serviços para grupos indígenas em toda a Amazônia, disse Eleodoro Mayorga Alba, ex-ministro das minas no Peru, na chamada com a imprensa.

    “Os povos indígenas, há muito tempo, não se beneficiam igualmente em relação aos serviços públicos, educação, água, eletricidade, cuidados de saúde, quando comparados com os demais povos e populações”, disse.

    O estudo envolveu análises legais, analisando como as leis se traduziram em práticas, um levantamento do Sistema de Informação Geográfica (SIG) para determinar as localizações e extensão das atividades de mineração em toda a Amazônia e seis estudos de caso envolvendo entrevistas e revisões de literatura científica.

    “Nossa pesquisa foi projetada para entender melhor e realmente colocar alguns números por trás das implicações dessa expansão para os povos indígenas”, disse Veit.

    Pesquisas da WRI e outros cientistas mostraram que as comunidades indígenas são fortes protetores da floresta, mesmo que dependam dela para comida, água, abrigo e remédios.

    “Agora sabemos que, quando nossos direitos são fortes, as taxas de desmatamento em nossas terras são duas ou três vezes menores do que na floresta administrada por outros”, disse McGarrell. “Isso significa que somos a solução climática”.

    Mas a mineração em terras indígenas acaba apagando grande parte dessa vantagem. Os pesquisadores descobriram que a perda de florestas foi três vezes maior em terras indígenas com mineração na Bolívia, Equador e Peru e até duas vezes maior na Colômbia e Venezuela.

    McGarrell disse que, em alguns casos, os próprios indígenas participam da mineração.

    “Alguns mineiros indígenas também decidiram, se as pessoas vão vir tirar… nossos recursos, por que não devemos obter alguns deles também?”, disse ele. “Vamos nos envolver na mineração porque também precisamos de dinheiro para pagar os materiais escolares para nossos filhos. Precisamos colocar comida em nossas casas”.

    Um investimento mais significativo nessas comunidades poderia tornar a mineração menos atraente, disse Patricia Quijano Vallejos, autora principal do estudo e analista de pesquisa da WRI.

    “Eles precisam aumentar a capacidade de acesso às suas terras”, disse ela, “e precisam de ferramentas para o desenvolvimento – por exemplo, a capacidade de monitorar suas terras – para que possam continuar sua luta contra a mineração ilegal”.

    O relatório também observa a necessidade de aplicação da lei de forma efetiva nesses territórios além de padrões ambientais e sociais estritos. McGarrell disse que, na Guiana, as avaliações de impacto devem fazer parte do processo de decisão dos locais das concessões de mineração, não apenas antes da exploração.

    “Temos um sistema onde as concessões de mineração acontecem sem quaisquer avaliações adequadas de impacto ambiental”, disse ele. “Isso deve parar. A responsabilidade começa no processo de alocação também”.

    McGarrell disse que os povos indígenas podem ser parceiros valiosos na proteção das florestas e do carbono que contêm, ao mesmo tempo em que mineram de forma responsável.

    “Os cientistas do WRI chamam os povos indígenas e comunidades rurais de arma secreta do mundo para preservar florestas”, disse ele. “Em vez de enquadrar os povos indígenas como pobres e primitivos, convidamos atores políticos e econômicos a se associarem aos nossos povos. Convidamos você a fortalecer o que a ciência sugere que temos para oferecer um modo de vida que vislumbra a humanidade como uma com o mundo natural”.

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