Ministro Fux, STF e o futuro
A última decisão do STF está a indicar que o dito popular “Juiz pensa que é Deus e desembargador tem certeza” está mudando em benefício do interesse público. Ou seja, sair de (pré)juízos e filigranas jurídicas que afrontam a realidade e abrem espaço para a política onde ela não deveria entrar. E, por vezes, lhe fecham a porta quando o lado político-econômico mereceria ser levado em conta, em especial quando se adequa à letra ou ao espírito da Lei.
O ministro Luiz Fux imprimiu ao STF algo comum no comércio: a tabuleta que nos informa “Sob nova direção”. De início, acabou com as duas turmas formadas por cinco juízes cada uma. Numa delas, eram comuns decisões nada católicas sob a batuta de Gilmar Mendes, Lewandowski e Toffoli, sempre dispostos a indignar a opinião pública tratada como massa ignara. Era, e é, evidente o grau de desgaste do STF diante da população.
O ministro Fux resolveu dar um basta a esse processo deletério que já havia avançado muito além da conta. Juristas de porte como Ives Gandra Martins, Modesto Carvalhosa e Evandro Pontes, de público, já haviam se manifestado quanto aos descaminhos do STF. Evandro Pontes nos fala mesmo em ditadura do Judiciário, aquela que Ruy Barbosa dizia ser a pior por nos deixar sem ter a quem recorrer. Por isso mesmo, mais que necessária uma mudança radical em benefício da sobrevivência, com dignidade, da instituição.
A decisão sobre a possibilidade de reeleiç ão dos presidentes da câmara e do senado, levada à apreciação do STF, parecia caminhar dentro do conchavo acertado entre certos ministros e os dois interessados, movidos por razões políticas de interesse pessoal. Felizmente, o fim de semana impediu que a votação seguisse de lavada, acompanhando o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, para quem a Lei da Ficha Limpa teria sido escrita por um bêbado, o que dá a medida de seu desapreço por leis oriundas da indignação popular.
Ao longo do fim de semana, o ministro Fux, preocupado com o evidente desrespeito ao texto constitucional, apontado por juristas de renome e ainda com a virulência das redes sociais contra o absurdo que estava sendo gerado, conseguiu dar um cavalo de pau e mudar a decisão. Não sem ter que enfrentar as juras posteriores de vingança de Gilmar Mendes que prometia dificultar sua gestão à frente do STF. O apoio maciço da opinião pública a Fux sequer foi levado em conta por Gilmar Mendes, sempre às turras com ela que, para ele, é mera massa de ignorantes a despeito de estar respaldada por juristas de peso.
Quem acompanha os bastidores do congresso nacional sabe da luta surda entre o ministro Paulo Guedes e Rodrigo Maia. O primeiro apressado em passar as reformas que a lerdeza de Maia acha normal empurrar com a barriga por 30 ou mais anos como foi o caso da reforma trabalhista. E que continua sendo o caso das emperradas reformas tributária e administrativa. A ausência destas duas vêm paralisando o crescimento do país há décadas. Pelo jeito, os interesses eleitorais de Maia e de Alcolumbre vêm em primeiro lugar. O País que espere sua vez com (indevida) paciência de Jó, como sempre.
Faz alguns anos, numa palestra do ministro Fux na FIRJAN, eu lhe perguntei sobre a sensibilidade, diferente da dele, dos demais ministros sobre decisões do STF que tiveram efeitos negativos sobre a economia. Aproveitei para lembrar-lhe que leis econômicas acabam se impondo, mesmo que a contragosto de juízes e ministros do STF. Dei como exemplo o tabelamento de preços. Mas, segundo ele, o clima estaria mudando.
Na verdade, não mudou muito. Na recente decisão sobre a redução proporcional de salário e jornada no setor público (6 a 5) prevaleceu a visão de que seria inconstitucional permiti-lo. E o efeito foi brutal: impediu o corte de despesas que municípios e estados tanto precisavam como também um salto de produtividade no setor público. A simples possibilidade de os funcionários poderem ter salário e jornada reduzidos melhoraria em muito seu desempenho.
É evidente que ainda falta muito para que o STF passe a gozar de respeito junto à opinião pública. Mas impedir que Maia e Alcolumbre possam ser reeleitos foi um bom começo. Certamente foi essa preocupação de Fux que o levou a ter a atitude que teve. Felizmente, no pleno do STF, o risco de decisões desastrosas é menor, mas não é uma garantia líquida e certa.
Juízes, quando se defrontam com processos que exigem conhecimentos técnicos de que não dispõem, requisitam peritos a favor e contra de modo a fazer o melhor julgamento possível em sua sentença final. Uma área que parece estar desguarnecida no STF é a de uma boa assessoria econômica. E não é por falta bons economistas já que, sem dúvida, os temos.
Para ilustrar, voltemos ao caso da redução proporcional de salários e jornada no setor público. No setor privado, foi autorizado pelo governo e posto em prática, preservando empregos. Uma boa assessoria econômica poderia ter esclarecido aos senhores ministros o absurdo de taxar de inconstitucional essa redução proporcional no setor público pelas razões já apontadas neste artigo. (E, quem sabe?, até lembrar-lhes que o artigo 5º da constituição foi cassado, aquele que garante a todos igualdade perante a lei).
Quanto ao futuro, a boa notícia é que o ministro Fux lançou uma obra intitulada “Processo Civil e Análise Econômica”, o que requer um mínimo de familiaridade com conceitos econômicos. Deu-se conta das pisadas em falso do STF em decisões na área econômica. E também deve ter lido um clássico intitulado “Análise Econômica do Direito”, de Richard Posner, professor emérito da Escola de Direito da Universidade de Chicago. Posner queria saber se a tradição jurídica americana conflitava com as leis econômicas. A boa notícia para os americanos é que não. Infelizmente, não é o nosso caso, com custos imensos que retardam nosso crescimento econômico quando não o travam.
Resta torcer para que o ministro Fux consiga deixar no STF essa semente de boa lógica econômica. O Brasil agradece.