Gênesis
Os últimos acontecimentos que marcaram a nossa vida política nacional, filmados sob todos os ângulos e em todos os momentos, não podem permanecer estéreis. Como cabe numa república democrática, cada um fará uma leitura própria, à luz de sua ótica. Quanto a mim, pareceu-me ver a evidência que o modelo atual esgotou-se, e há que mudá-lo.
Pois somos regidos por Constituição que foi elaborada por bancadas partidárias, preocupadas em privilegiar as siglas e seus mandatários; não ocorreu referendo, um dos instrumentos esquecidos da soberania popular (junto com o plebiscito, as eleições diretas, todo o poder que emana do povo e a iniciativa popular de leis). Cumprindo o percurso da partidocracia, estudada por inúmeros pesquisadores, os partidos se autoatribuíram todo o poder, transformaram-se em pessoas jurídicas de direito privado (financiadas por dinheiro público) operadoras do monopólio de seleção de candidatos a cargos eletivos públicos. E ainda acrescentaram umas pinceladas mais no quadro ao ensejo da releitura da revisão do Código Civil, criando uma categoria especial que os interessasse e às organizações religiosas; Damião Alves de Azevedo sustentou, ao ensejo, que “partidos políticos e organizações religiosas têm a mesma natureza jurídica e o mesmo suporte fático das associações, mas, por uma razão de interesse público, o Código Civil os dispensa de se adequarem às exigências dirigidas às associações em geral”. Interesse público? Deve ser o de Mateus, primeiro os teus.
Os partidos no Brasil assumiram uma hegemonia sem freios nem contrapesos; os destinos da Nação são entregues a quem elegem ou fazem eleger. Mil vezes foram citados os mandatos conquistados nas urnas que asseguram legitimidade, esquecidos os oradores que a vedação de candidaturas avulsas, uma quase-jabuticaba, gera um monopólio que impede a alegada legitimidade (sem falar nas campanhas marqueteiras, ricas em tramoias). Recorro ao poeta Fernando Pessoa para denunciar a usurpação: “o eleitor não escolhe o que quer; escolhe entre o isto e aquilo que lhe dão, o que é diferente”. Ora venham cá, como poderiam ser diretas eleições com dois colégios, um a dizer em quem se pode votar e outro a escolher os menos piores, sem o direito de propor um nome de sua livre escolha, excluído pelo nyet do cartel partidário? Se levarmos em conta que temos 15 milhões de filiados a partidos (nos critérios equivocados do TSE que não exige recadastramento periódico, fazendo da inércia uma aliada) e quase 130 milhões de não-filiados, fica difícil calar a evidência. Nosso sistema partidário, que produz dinastias (filhos e netos às pencas), não é representativo. Sequer o almeja, dispensando de vez o povo que terá mesmo de ir votar no “isto ou aquilo”, sob pena de sanções.
Chegou o momento de se pensar em atualizar nosso carcomido sistema eleitoral. Poderemos nos limitar à cláusula de barreira tucana, que reduz os membros do cartel a explorar o monopólio; ou exigir a soberania popular no processo, começando com a aceitação de candidaturas avulsas a concorrer com os partidos, e a obrigatoriedade de o Congresso realizar plebiscitos e referendos, pelo menos quando das eleições.
Bom começo.