Agora é o fim
Há que se terminar o que começamos. Mais fácil ou mais difícil do que vencer aquela força à qual me referi no artigo anterior, a da inércia? Afinal, se basta um empurrãozinho para iniciarmos qualquer empreendimento, já diz o ditado: “Sou capaz de dar um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada para não sair dela”.
Será que temos uma certa preguiça, melhor dizendo, resistimos a dar o primeiro passo numa determinada direção porque esta decisão implica em abrir mão de todas as outras possibilidades naquele momento? Ao priorizar uma ação, outras poderão até acontecer oportunamente, mas, na verdade, fizemos uma escolha em detrimento de todas as demais, o que nos traz uma sensação de perda (consciente ou inconsciente). Felizmente um sentimento de vitória por termos superado uma dificuldade também acompanha a resolução deste pequeno conflito.
E então chegamos ao meio de campo, à narrativa, ao desenvolvimento do tema escolhido ou do produto a ser confeccionado. Tudo fluindo, a criatividade a criar asas e a acrescentar mais detalhes e ideias que, a princípio, não nos tinham ocorrido. E quando estamos já tomando gosto pela coisa, eis que a necessidade de parar nos traz à realidade de nosso tempo, espaço, forças e natureza limitados. Precisamos terminar. Mas temos ainda tanto para melhorar o que estamos fazendo… tanto a aperfeiçoar…
Acontece que não somos perfeitos, e como nossas obras refletem aquilo que somos, não nos conformamos com qualquer imperfeição agora estampada à nossa frente e tendemos a reagir como Michelangelo ao martelar sua obra-prima (para ele faltava algo) David, que não respondeu ao seu apelo: “Parla!” É, não somos Deus e não podemos insuflar a vida!
Dar um fim, já que demos um começo. Tudo à nossa volta nasce, vive e morre um dia. Será a confecção do fim mais difícil por nos confrontar com a ideia da morte? Acabo de pensar que o fim pode ser paradoxal pois também é por ele que se permite que algo “nasça” e venha à luz – ou a público – do contrário ficaria inacabado e não seria nada!
O que nos consola é a possibilidade de recomeçar, sempre à nossa frente, e a esperança, a última que morre, de fazer algo melhor a cada nova tentativa.
Agora um adendo (só para confirmar o que acabei de afirmar, e ficar menos inconformada) : É que Lacan, ao desenvolver sua teoria sobre o tempo – o seu “Tempo Lógico” – dividiu—o em três etapas:
– o Instante de Ver
– o tempo para compreender
– o momento de concluir (sem o qual todo o ciclo recomeça, exigindo uma dose de coragem para concluir, porque nunca se poderá ter certeza absoluta sobre o resultado futuro de uma conclusão).
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