Lobo-Guará na cueca
Tenho um amigão, que é um livrão e que todos conhecem por “Aurélio”. Pronto, apresentei, sem muitas inúteis explicações, este dileto e querido amigo: o dicionário. Sem ele escritor não sobrevive; melhor afirmando, não vive, produz menos e acaba estigmatizado e denunciado como analfabeto. Eu escapo um pouco da onda porque sempre consulto o maçudo tijolo de papel, e sei que ele está inteirinho na internet. Seria tão bom, útil, interessante, se as gerações de hoje tivessem o “Aurélio” à cabeceira; escreveriam e falariam melhor e seriam compreendidos sem esforço. É ou não é? Pois bem, vamos adiante para não perdermos a toada da caravana que avança vencendo o tempo.
Momentos terríveis de vazio cultural vivemos hoje. As maiores imbecilidades que circulam impunemente pela sociedade, estão na classe política e destoam tanto da razão que nem parecem criaturas de viés inteligente, como deveria ser a natureza humana. O povo tem colocado nos palanques e palácios incrível malta de despreparados, assustadoramente imbecis e desprovidos de raciocínio lógico e, muitos, sem o mínimo pudor de vergonha diante de atitudes que tomam, de bobagens que dizem, de comportamentos de corrupção vergonhosa e que eles enfrentam com as caras mais inocentes do planeta.
Tão descrente do que vi e ouvi e li em calafrios medonhos de incredulidade, corri para o “Aurélio” para saber a definição oficial do vocábulo e qual a verdadeira finalidade da cueca. E li: cuecas, peça íntima do vestuário masculino, espécie de calção usado sob as calças – também usado no singular, pelo menos no Brasil.
Pensei: quem sabe o senador confundiu a palavra cueca com cofre? Sim, porque o que ele aprontou de ridículo tem mais a ver com cofre do que cueca. Fui ao “Aurélio” e o livrão: cofre, caixa onde se guarda dinheiro, joias, documentos e outros objetos de valor; arca. Burra.
É, faz sentido, ele pode ter confundido, achando que sua cueca era uma caixa para guardar dinheiro, joias, outros objetos de valor – porque “documentos” ele já os guardava por ali e o dinheirinho também cabia amassar na veste íntima, já que o “rapa” estava socando a porta e não daria tempo de se livrar dos lobinhos-guarás que ele estava começando a colecionar. Tudo fedorentamente circulando na incredulidade geral…
Afinal, um senador do baixo clero, mas dos elevados palácios, certamente sabe o significado do vocábulo impunidade, entende que é “otoridade”, amigo do presidente, representante de seu Estado na senatoria da República e raposa metida a esperta circulando pelos organismos de proteção ao erário público destinado ao combate da epidemia covid-19, e vai por ai, em conclusão que ele se julga acima de tudo e de todos e pode, porque pode, pisotear quem ele desejar.
E temos visto nas telas coloridas e luzentes o retrato fiel do país, por seus delegatários eleitos ou indicados, nomeados, sabatinados, portadores de serenas caras-de-pau, argumentando com segurança e tranquilidade sobre seus crimes e bobagens, enquanto um perigoso chefão do tráfico, ganha a liberdade, debocha de todos, e, já no jatinho, sobrevoando o presídio exclama em negra euforia: “- Eu avisei a todos que iria passar o Natal em casa, não avisei, seus babacas!”
Shiiii, mellou; perdoem ter usado termo chulo, mas ele está lá no “Aurélio” e significa: boboca