Amar é antidepressivo
“Não é o próximo que te segura, mas sim é o teu amor que segura o próximo, se o teu amor para com o próximo se mantiver inalterado, então o próximo permanecerá inalteradamente presente. E a morte não pode roubar-te o próximo, pois se ela te tirar um, a vida em seguida te dará de novo um outro. A morte pode roubar-te um amigo, porque no amor do amigo tu estás unido com ele; mas no amor ao próximo tu estás unido com Deus, e por isso a morte não pode roubar-te o próximo.”
Eu sempre parto dessa citação que está no livro “As Obras do Amor” de Soren A. Kierkegaard, quando pretendo falar do amor como proposta de vida fundamentada na caridade. Não vejo graça em viver somente para atender as necessidades das vísceras. O “eu” é limitado. O mundo não pode ficar restrito às nossas vontades. O egocentrismo não desenvolve o ser em plenitude, por isso não é atitude inteligente.
Necessitamos do desafio de conhecer o outro até mesmo para exercitar o amor nas suas diversas faces, principalmente no que se refere à fraternidade, pois esta é que consolida as amizades. Não é o instinto que nos leva a amar, a perdoar, há algo além: o homem deseja expandir-se. E isso ocorre na doação. O doar-se é fazer-se presente no outro. Zygmunt Bauman no livro “Amor Líquido”, no capítulo “Sobre a dificuldade de amar o próximo”, afirmara:
“Aceitar o preceito do amor ao próximo é o ato de origem da humanidade. Todas as outras rotinas da coabitação humana, assim como suas ordens pré-estabelecidas ou retrospectivamente descobertas, são apenas uma lista (sempre incompleta) de notas de rodapé a esse preceito. Se ele fosse ignorado ou abandonado, não haveria ninguém para fazer essa lista ou refletir sobre sua incompletude.
Amar o próximo pode exigir um salto de fé. O resultado, porém, é o ato fundador da humanidade. Também é a passagem decisiva do instinto de sobrevivência para a moralidade.
Essa passagem torna a moralidade uma parte, talvez condição sine qua non, da sobrevivência. Com esse ingrediente, a sobrevivência de um ser humano se torna a sobrevivência da humanidade no humano.
‘Amar o próximo como a si mesmo’ coloca o amor-próprio como um dado indiscutível, como algo que sempre esteve ali. O amor-próprio é uma questão de sobrevivência.”
É preciso realmente resgatar o humano no homem. Este, quando perde a sua essência, torna-se um animal que amedronta terrivelmente e provoca esse pânico que já se tornou em um grave problema social: o medo de ir às ruas, o medo de encontrar o outro, o medo de não ser compreendido. Essa síndrome já afeta crianças, jovens e adultos. O transtorno provocado geralmente vem de “fora para dentro”. A onda de violência, de insegurança cria uma instabilidade emocional a ponto de a pessoa ter medo de atravessar uma rua. Esse fato é mais conhecido como agorafobia (do grego ágora – assembleia; reunião de pessoas; multidão + phobos – medo) que consiste no medo de estar em espaços abertos ou no meio de uma multidão. E como qualquer doença, há formas de prevenção. E nesse caso, eu não tenho dúvida: o exercício do ato de amar é o melhor antídoto para graves problemas provenientes dessa patologia social.
É verdade que a “fome de pão” afeta o mundo, mas a “fome de amor” também causa grandes transtornos em várias camadas sociais. E a caridade é uma atitude antidepressiva. “Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação”, já afirmara Madre Teresa de Calcutá.
– Como cristão, não posso aceitar a ideia de que o inferno seja o outro.
Ataualpa A.P. Filho