A crise de humildade
Restaram as dúvidas. Na juventude, plantei muitos porquês. Colhi alguns sins e vários nãos que levaram por terra falsas certezas. As que primeiro ruíram foram as ideológicas, pois a teoria sem o respaldo da realidade torna-se vazia. O tempo e o destino exigem coerência, porque não é possível enganar todo mundo por todo tempo. Há um momento que as contradições entre o que se fala e o que se faz afloram.
Nesse período de eleição, a demagogia torna-se mais evidente. O clientelismo, o assistencialismo, o comércio de votos, a prática do “toma lá dá cá”, revelam a pobreza da convicção ideológica de muitos políticos, que fogem até da proposta estabelecida pelo partido a que pertencem para atender aos seus próprios interesses. Fidelidade somente às causas pessoais.
Mas com estava falando, as minhas dúvidas aumentaram com o número de decepções que tive nesse meio século de vida. Esse fato, para mim, é um aprendizado. Por isso não trago comigo mais nenhum conceito cristalizado. Entretanto posso dizer, com convicção, que há a Verdade. E que não será relativizada para atender às conveniências. A efemeridade humana me aponta essa vertente: os conceitos que não estão fundamento na Verdade, um dia, desmoronam.
Considero triste o transtorno da autorreferência, pessoas que apresentam uma hipervalorização das suas virtudes criam para si uma verdade, colando-se como o centro das atenções. “Os outros são os outros” nunca estão ao seu alcance, são vistos como seres inferiores. E quando alguém se encontra com tal patologia, acha que o poder lhe pertence. E quando é contrariado, passa a desconfiar de todos. Acha que todos estão contra ele. E assim desencadeia um sentimento de perseguição. Nesse caso, tem dificuldade para manter a paz no ambiente em que se encontra, principalmente quando não tem a atenção de todos. Isso produz uma insegurança, pois a harmonia do meio depende do humor dele. Conviver assim, você há de convir que seja difícil, pois a essência da democracia está na paridade, nos direitos iguais para todos perante as leis vigentes no contexto social; todos têm direito à sala vip (very important personal).
Vários ditadores desenvolveram essa patologia, mantinham um forte esquema de segurança por medo ou desconfiança, além de perseguir os adversários. Muitos chegaram ao ponto de negar as suas origens humildes, por achar que até o seu passado não era digno da personalidade e da posição que conquistara.
Quem assiste aos programas eleitorais deve perceber que alguns candidatos se colocam como se fossem dotados de superpoderes, prometem coisas que não estão no âmbito do cargo a que se candidatam. O “vou fazer” vem com tanta veemência, mas não passa de uma falácia. Outros fazem lembrar o “Poema em Linha Reta” de Fernando Pessoa, “são campões em tudo”; outros expressam um desejo absolutista, ignoram completamente as diretrizes de um sistema democrático, querem impor suas vontades, sem passar por um processo de discussão com a sociedade. Poucos demonstram o desejo de prestar um serviço público sem pensar no ganho financeiro que os cargos políticos oferecem.
A humildade é uma virtude rara nas campanhas eleitorais. Humildade não é sinônimo de fraqueza, nem de fragilidade. É preciso ter muita segurança e coragem para assumir as próprias limitações. Procurar desculpas por não assumir os próprios erros não consiste em uma atitude digna. Ao lado da falta de ética, há também a falta de humildade. Erra é humano, assumir os próprios erros é uma questão de caráter. E diante desse fato, é que se vê uma política marcada pelo denuncismo: cada um enumera as falcatruas dos outros e não se discute o que realmente possa beneficiar a sociedade.