Eleições: A escolha dos candidatos
Leio, com freqüência, que os eleitores precisam escolher com cuidado os seus candidatos nos pleitos municipais. Piada.
O sistema eleitoral em vigor impede ao eleitor municipal votar em quem deseja. Os partidos que escreveram a Constituição Federal ofertaram-se o monopólio eleitoral, evitando submeter a vergonha ao alcance de um referendo popular. Começaram por apregoar que todo o poder emanava do povo e que a República tinha cinco alicerces entre os quais o pluralismo político. E, mais adiante, no artigo 14, dedicado à soberania popular, tiraram a máscara democrática e enfiaram o modesto inciso V do §3º que condicionava a elegibilidade à prévia filiação partidária; estava criado o monopólio eleitoral. Na tentativa de manter o nível destas crônicas, recorro à citação do poeta português Fernando Pessoa: “O eleitor não escolhe o que quer: escolhe entre o isto e aquilo que lhe dão, o que é diferente”. E, salvo exceções que saúdo, o isto e aquilo que nos dão é horroroso, deprimente, pré-certificado de perda de tempo e episódios de rala esperteza do tipo Coperlupos.
Não nos é permitido votar em candidatos avulsos. Leio e releio o direito fundamental XX do artigo 5º da CF, e não vejo como a Justiça não permite a sua aplicação face aos partidos. Pois lá se afirma: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Mas 89% dos eleitores brasileiros recusam filiar-se a um partido, e logo estão excluídos do direito ao sufrágio universal passivo, seja de receber votos. A CF foi elaborada em nome do povo brasileiro, mas o que afirma em português claro não é o que doutos entendem; complicado, não? E nem falo dos Tratados Internacionais que permitem os avulsos; o Brasil assinou e descumpre. O tema foi objeto de audiência pública em dezembro 19, devia ser pautado, mas as eleições municipais – essas onde os partidos nacionais com sede em Brasília são intrusos – verão ainda os candidatos avulsos compelidos a se associar, apesar da letra da CF que todos deveriam respeitar. Por que ninguém estuda por que 89% do eleitorado fogem da filiação partidária? Por pirraça ou recusa da companhia?
Tem mais. Os Municípios são autônomos, pois são entes federativos (CF, art. 18). Legislam sobre assuntos de interesse local. Então me digam, como pode a quase-totalidade dos estatutos partidários obrigar os seus mandatários a cumprirem as diretrizes internas definidas pela Nacional em Brasília/DF, sob pena de sanções, quando não expulsão deixando o mandato para a sigla? O TSE não só registra tais cláusulas, como assegura que o mandato é do partido quando se trata de vereador, e do prefeito por ser caso de eleição majoritária. Do povo, o mandato não é em caso nenhum. Se nem o Presidente pode invadir a autonomia municipal (vide COVID-19), como se concede aos partidos atropelar todos os limites?
Se inexistem partidos estaduais, distritais e municipais, é problema do Congresso, do TSE e do STF. O que não entendo é que nenhum Município tenha posto a boca no trombone em defesa de sua autonomia face aos partidos “nacionais” que desprezam a Constituição.
Penso que ser eleitor é ter o direito e dever de perguntar.