Adega dos Frades: digna de sagradas visitas
Em meados da década de 90, quando nem se pensava em pandemia, já havia quem vivesse momentos marcantes em isolamento não por obrigação, mas por escolha. Afastada do Centro de Petrópolis, a Adega dos Frades não era convento, mas contabilizava religiosas visitas de quem, em busca de adoração a boa gastronomia, a ela recorria.
Foto: Reprodução/Internet
Não somente ao bom vinho, mas a toda a ambientação, serviços e culinária que o rústico e intimista restaurante proporcionava. Onde os modos de ser, pensar e fazer dos clientes pareciam estar em harmonia, não à toa saía-se de lá com a impressão de ter ido de frade a confrade de alguém.
Funcionário público, Jorge Luiz Farias Silva, de 55 anos, é ex-frequentador da adega e recorda como não raro era calhar de encontrar com alguém conhecido no local. Carioca, Jorge se mudou para Petrópolis aos 3 anos de idade e na cidade morou por mais 25 deles: história que tem, no referido estabelecimento, um de seus mais saudosos capítulos.
Foto: Jorge Luiz Farias Silva
“Tenho há mais de 30 anos uma coleção de fradinhos que eles davam. Não me lembro bem como ganhei, mas guardo porque faz parte da minha história na cidade”. Charmosos, os bonequinhos funcionavam como representação precisa de quem, no fim da noite, se via inclinado ora pelo consumo alcoólico, ora pela vontade de tão logo retornar.
Para a advogada Mônica Possas, de 59 anos, amiga de Jorge Luiz, era no restaurante que terminavam-se os trabalhos, já que era ao local que se dirigia depois de encerrado o expediente; onde dava-se início a eles, uma vez que era onde a diversão começava; ou, até mesmo, em que dava-se trabalho aos colegas com pegadinhas e brincadeiras.
“Uma vez escondemos os pratos dentro da bolsa de uma amiga. Ela ficou doida porque o garçom começou a falar e ela, não sabendo, abriu a mala. Foi aquela gargalhada”. Aprazível, como bem descreve Mônica, o ambiente era pedida certa de amigos que queriam se reunir à noite e, por que não, alvo também de casais apaixonados.
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Aos 47 anos, Vivian Leidenfrost relembra o início do namoro com o falecido marido Julio Cesar Pereira Silva. Os dois estiveram juntos por cerca de 20 anos e, durante todo esse tempo, Vivian elege o jantar na Adega dos Frades como um dos momentos mais memoráveis entre os dois e também como um dos gestos mais admiráveis de Julio.
Ciente dos preços nada amigáveis do restaurante, Vivian conta que Julio, disposto a agradá-la a literalmente qualquer que fosse o custo, decidiu vender toda a sua coleção da Enciclopédia Barsa para, com o valor obtido a partir da venda, ser capaz de proporcionar a ela o jantar da Adega e a famosa cerveja Kaiser Bock, cujo comercial havia sido filmado lá.
“Ele vendeu a enciclopédia todinha só para me levar lá, então esse gesto dele acabou sendo muito marcante porque ele criou condições financeiras para tornar o jantar possível”. Apaixonada por cerveja, Vivian, que hoje já é sommelier, descreve como foi conhecer o ambiente em que havia sido filmada a propaganda da única cerveja especial da época.
“Foi muito legal ver o comercial na TV e, de repente, me ver inserida naquele ambiente. A Kaiser Bock era uma cerveja vermelha, encorpada e linda de morrer. Especial pro inverno”. Ideal para Itaipava, a cerveja fez boa dupla com a Adega dos Frades. Quase tanto quanto a parceria de décadas do ex-gerente Alex Simões de Freitas, de 55 anos, com o local.
“Praticamente inaugurei e fechei a Adega dos Frades”. De cumim a garçom e, por fim, gerente, o ex-funcionário revive a rotina de trabalho do local enquanto passeia pelas lembranças daquela época. Ele fala sobre os pratos que mais faziam sucesso no badalado e bem frequentado restaurante fundado por Carlos Infante e João Ramos Alves.
“Os pratos mais tradicionais eram o frango na púcara, o fondue, e também o famoso filé ao frade, que era com uma pastinha de alho em cima e salsinha”. No quesito sobremesa, Alex destaca o doce de ovos com amêndoas e a clássica banana flambada com sorvete de creme: receita que foi ponto de partida para sua jornada de empreendedorismo.
“Eu notei a dificuldade que tínhamos em conseguir sorvetes que não derretessem à toa, então fiz um curso e decidi montar minha própria fábrica”. Responsável, então, pelo fornecimento do sorvete empregado nas sobremesas da adega, Alex hoje mantém a própria produção e sorveteria em Areal, bem como a distribuição a restaurantes da cidade.
E se por um lado Alex atribui parte do sucesso da adega ao carisma do antigo patrão, Carlos Infante, pode-se dizer que sua empresa de sorvetes, a ‘Tudo de Bom’, segue o mesmo caminho. Caminho comum a clientes e funcionários que encontraram refúgio na gastronomia da Adega dos Frades e dela fizeram assunto sagrado.
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