Conselhos municipais e democratização
Antes, um pouco de História para entendermos o que se passou desde os tempos do Brasil Colônia em matéria de conselhos municipais. Farei um brevíssimo resumo, indo ao essencial. Diferentemente do que possamos pensar, o Brasil herdou de Portugal a tradição dos concelhos, com “c”, um órgão colegiado que administrava a cidade (ou a vila) no período colonial. Exerciam poderes amplos. Normalmente, o vereador mais votado era o chefe do executivo, e ainda exerciam funções administravas como a justiça e a cobrança de impostos. Dada a penúria financeira da grande maioria dos atuais municípios brasileiros, é surpreendente o fato de que de cada 100 cruzados arrecadados naqueles tempos, 70 ficassem na vila (ou município) e apenas 30 se destinassem à Coroa portuguesa.
Esta forte tradição de poder local se mantém ainda hoje em Portugal e vigeu na Terra Brasilis por séculos, nos tempos coloniais e no Império depois. As eleições eram religiosamente realizadas a cada três anos. Os eleitores eram os chamados homens bons, que incluíam fazendeiros, comerciantes, artesãos, profissionais liberais dentre outros. O historiador José Murilo de Carvalho cita o caso de um município do tempo do Império, em Minas Gerais, em que o corpo eleitoral era predominantemente composto por eleitores que não eram os ricaços locais. Apesar de ser um grupo restrito de eleitores, segundo ele, o pequeno percentual em relação à população não diferia do que se passava em países europeus de então, mesmo no sempre elogiado modelo inglês.
Vamos agora aos dias atuais, lembrando que fatos históricos nos permitem afirmar que a obra de estrangulamento financeiro dos municípios se dá de modo crescente a partir de 1889, na república. O modelo americano, vigente ainda hoje, distribui os valores dos impostos arrecadados assim: de cada 100 dólares coletados num município, 50 ficam diretamente nele, 30 vão para o estado e apenas 20, para a união. Nosso modelo, em boa medida, refletia essa distribuição dos impostos até 1889. Ele, hoje, foi virado de pernas para o ar: apenas cerca de 20 reais, de cada 100, ficam no município, e, assim mesmo, apenas 10 diretamente e os outros 10 dependem das famosas transferências, ou seja, de idas frequentes a Brasília pelos prefeitos. Trata-se da conhecida porta aberta para desvios e corrupção. Os estados retêm 30 e a união, 50 ou mais!
Petrópolis é um bom exemplo de município que dispõe de uma rede de 24 conselhos municipais. Fui presidente (e vice) do COMTUR – Conselho Municipal de Turismo por seis anos (1993-1998) como representante da FIRJAN, local em que o conselho se reunia naquela época. Antes e depois da minha gestão, foi um conselho que construiu um lastro positivo de realizações. E continua assim ainda hoje. No passado, quase conseguimos montar um fórum de troca de experiências em que os conselhos mais ativos transfeririam suas práticas para aqueles que ainda não dispunham de uma estrutura funcional adequada. Esta proposta merece ser retomada para estimular a participação dos munícipes.
Na questão fundamental da democratização gradual e efetiva da administração municipal, eles são peças fundamentais do processo. É cada vez maior o número de conselhos deliberativos e não apenas consultivos, como ocorria no passado. No COMTUR, a presidência é rotativa: dois anos sob a batuta do setor privado e dois anos sob o comando do setor público. Neste caso, normal-mente é o secretário da área que o preside, com a vice-presidência conduzida pelo setor privado, e vice-versa quando o setor privado está presidindo.
Uma função estratégica dos conselhos – que vem capengando – é serem correias de transmissão entre os munícipes e a administração municipal (prefeito). A presença mensal dos secretários municipais de cada área nas reuniões deveria ser um compromisso exigido pelo prefeito de seus assessores diretos. Certamente esta providência em muito ajudaria os prefeitos a atuarem com maior grau de eficiência (fazer bem feito) e eficácia (fazer a coisa certa ou necessária).
O Diário de Petrópolis, em edição de 15 maio de 2017, traz uma matéria reveladora, de Eric Andriolo, sobre a situação dos conselhos municipais. A despeito da defasagem de três anos, o quadro geral não parece ter mudado muito, em função da pesquisa que fiz na internet. Naquela data, segundo a reportagem, só havia informações públicas sobre 42% das reuniões dos conselhos. O site da prefeitura não fornecia as atas das reuniões de mais de metade dos conselhos. Obviamente, fica difícil para a população acompanhar o que se passa. A falta de quórum também tem seu peso nas reuniões que deixam de ocorrer. Falha da cidadania.
Conselhos importantes como o de Saúde, o da Juventude, o da Pessoa com Deficiência, o da Política Agrícola, o da Alimentação Escolar e o da Cidade de Petrópolis (CONCIDADE), naquela data, não tinham atas disponíveis no site da prefeitura. Nosso caro Philippe Guédon, entrevistado, disse então que os conselhos foram enfraquecidos. Criticou o atraso da prefeitura em publicar os editais de convocação e a demora em divulgar as atas. A ausência frequente de secretários municipais nas reuniões reduz em muito o atrativo de os munícipes comparecerem às reuniões. E poderiam, pois são conselhos abertos a todos. O Concidade, o conselho dos conselhos, por exemplo, deveria contar com a pre-sença do prefeito, fato que despertaria o interesse da população em comparecer.
Nadar de braçada no mar raso e confortável das críticas é fácil. Por isso mesmo, vai aqui uma sugestão que acabou virando moeda corrente em tempos de COVID-19. Para romper o imobilismo, o país passou a fazer uso intenso das videoconferências. O COMTUR tem feito suas reuniões dessa forma, e vem conseguindo se manter atuante. Nada impede que os demais conselhos façam o mesmo com ou sem coronavírus. Elas se revelaram um poderoso instrumento para a democratização dos conselhos. Não ter que sair de casa torna tudo muito mais fácil. A prefeitura deveria tornar esse mecanismo de comunicação permanente, sem suprimir todas as reuniões presenciais. Mãos à obra.