Por ler Nietzsche
Sei que é um atrevimento da minha parte querer falar de Nietzsche. Não tenho formação filosófica para isso, apenas carrego essa obsessão pela leitura e o imprudente hábito de externar o que penso com palavras que me protegem da solidão. Dialogo sempre com leitores imaginários. As crianças também falam sozinhas quando estão entretidas com seus brinquedos…
Só tenho medo do só quando estou no meio da multidão. Não desenvolvi a velocidade instintiva dos que seguem o fluxo da manada.
Conheci Friedrich Nietzsche no período universitário. Li “Assim falava Zaratustra”, quando, nutrido de ideologias, sentia-me “super-homem”, “para além do bem e do mal”, queria mudar o mundo no grito, munido apenas da alavanca dos sonhos e com os pés nas ondas do mar, após ter saído do sertão para contrariar o destino na Cidade Maravilhosa. Viver é desafiar-se.
O tempo é pedra de amolar, afia-nos. Na fertilidade da juventude, brotam as sementes que os ventos carregam. Nela, a Liberdade finca as suas raízes, porque os desafios são menos contidos pelo medo. “Viver é perigoso”, já afirmara Guimarães Rosa. Por isso, é preciso amar para encontrar a paz. Mas ser pacífico não é inerte. Não se pode confundir paz com inércia. A vida é dinâmica. Não é o tempo que não para, a vida é que não o deixa estático.
Toda vez que me sinto ameaçado pela desesperança, quando vejo as crises provocadas pelas contradições sociais, a humanidade desumanizada, deparo-me com o pensamento nietzscheniano. Resisto ao niilismo por ser cristão. Deus está vivo. E o altruísmo acende as chamas da esperança pelas ações solidárias.
A transcendência existe, porque o ser humano tem sede do eterno. Não é possível limitá-lo à materialidade que se locomove neste planeta. Não encontrar razão para viver consiste em estacionar no vazio por não ter em si uma explicação que justifique todo o esforço para manter uma existência dentro de um convívio social com regras preestabelecidas, com princípios e valores éticos na diretriz do Bem.
“Há algo em mim não aplicado nem aplicável, que deseja elevar a voz. Há em mim um desejo sublime de amor que fala a linguagem do mesmo.” Assim falou Zaratustra em “O Canto da Noite.” O amor é força motriz, porque tem o anseio de felicidade. Não é somente amar para ser amado, mas para conduzir o viver com sentido. Por isso que o servir, na concepção cristã, torna-se o caminho da eternidade.
A caridade consiste no despojamento fundamentado no amor. Por essa razão, não posso concordar com que afirmara Nietzsche em “Crepúsculo dos Ídolos”: “o homem que se torna altruísta é o homem acabado.”
Vejo no altruísmo uma forma de combater a política do ódio. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. Mas o segundo é semelhante a este: amarás o próximo como a ti mesmo.” Deste dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mt. 22, 39-40). O Crucificado, como Nietzsche se referia a Cristo, não puxou nenhum gatilho, não ergueu nenhuma espada, mas fez revolução dentro dos homens que buscam o bem comum.
Muitos que se consideram ateus, ou agnósticos criticam mais as ações dos que se dizem cristãos do que os atos de Cristo, porque Ele foi coerente: profetizou e viveu no Amor Pleno. Deus não errou. A humanidade é que ainda não aprendeu a viver sem guerra.
As igrejas são impregnadas do humano, por isso estão sujeitas a falhas. Cristo, em momento algum, pregou a religiosidade como forma de enriquecimento e ascensão social, nem estabeleceu plano político para tomada de poder. Ele é o Ecce Homo condenado por Pilatos e fariseus.
Neste período pandêmico, a minha descrença nietzcheniana está nas gestões públicas. Só vejo saída pela organização da sociedade, pelo altruísmo, pela prática do amor em instância máxima, sem discriminação. Por isso coloco a minha utopia na ponta da fé para continuar tendo esperança.
Como dissera Belchior em “Alucinação”: “amar e mudar as coisas me interessa mais.” Assim encontraremos mais forças e coragem para enfrentar o niilismo e a distopia.