• STF rejeita ação sobre aborto para grávidas com zika

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  • 01/05/2020 15:59

    O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta, 30, rejeitar uma ação que pedia, entre outras coisas, o direito de aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika. A Corte já havia formado maioria no sábado, 25. O último a votar foi o ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou a relatora, Cármen Lúcia, mas, com ressalvas, reiterando posicionamento pela descriminalização do aborto.

    O processo, movido pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), foi analisado no plenário virtual da Corte, uma ferramenta online que permite aos magistrados votarem sem se reunir presencialmente. A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, votou por rejeitar a ação – no jargão jurídico, “não conhecer” a ação, sem analisar o mérito.

    Único a apresentar ressalvas, Barroso afirmou que, diante da maioria que já se formou no plenário virtual para negar seguimento à ação, não abriria divergência.

    Barroso contra a criminalização

    Por outro lado, disse entender que a Anadep tinha legitimidade para entrar com a ação e considera que ‘a extinção das ações adia a discussão de um tema que as principais supremas cortes e tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentaram’.

    “A reflexão que se segue, portanto, parece-me necessária e, em rigor, transcende a questão da Zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral”, afirma.

    Barroso ressaltou que ‘o aborto é um fato indesejável, e o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres’. “Essa é a premissa sobre a qual se assenta o raciocínio aqui desenvolvido”

    O ministro reiterou posicionamento externado durante durante julgamento na Primeira Turma, em 2016, em que se manifestou pela descriminalização do aborto na análise de prisão preventiva de médicos e funcionários de uma clínica. Na ocasião, por maioria, a turma concedeu habeas corpus para soltura dos envolvidos.

    Segundo Barroso, ‘o tratamento do aborto como crime não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto’. “Justamente ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família”.

    “Esse tipo de política pública, mais acolhedora e menos repressiva, torna a prática do aborto mais rara e mais segura para a vida da mulher”, afirmou.

    Barroso disse ainda que o ‘acesso aos serviços públicos de saúde, aconselhamento adequado, informações sobre métodos contraceptivos e algumas gotas de empatia produzirão melhor impacto sobre a realidade do que a ameaça de encarceramento’.

    “Atirar no sistema penitenciário mulheres que já vivem um quadro aflitivo, quando não desesperador, é não compreender a grandeza do sofrimento de quem se encontra em tal situação. Ninguém faz aborto por prazer ou por perversidade”, escreveu.

    O ministro ainda afirmou ser importante ‘registrar que praticamente nenhuma democracia desenvolvida do mundo combate a interrupção da gestação com direito penal. “Justamente porque existem alternativas menos traumáticas e mais eficientes”. “Há de haver alguma razão para isso”.

    Por outro lado, disse que se deve ter um ‘profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas’, ao lembrar que a ‘tradição judaico-cristã condena o aborto’. “E, portanto, é plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática”.

    “Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado – é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, não creio. Portanto, sem abrir mão de qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”, concluiu.

    ‘Não haverá aborto’

    Na última quinta-feira, 30, o presidente Jair Bolsonaro disse que enquanto for presidente “não haverá aborto”. Na saída do Palácio da Alvorada, o presidente parou para falar com apoiadores e ouvir um coral de crianças coordenadas pelo padre polonês Pedro Stepien. As crianças cantaram uma música religiosa e fizeram um pedido ao final: “Senhor presidente, temos um pedido para o senhor, não queremos aborto”.

    O Código Penal prevê que a interrupção da gravidez no Brasil é permitida apenas nos casos em que a gestante corre risco de vida ou quando a gravidez decorre de estupro. Em 2012, o STF decidiu que não é crime a interrupção da gravidez em casos de anencefalia.

    Omissões

    Ao entrar com a ação no STF, a Anadep apontou falhas do Poder Público no acesso à informação, a cuidados de planejamento familiar e aos serviços de saúde no enfrentamento do zika, além de omissão sobre a possibilidade de interrupção da gravidez para mulheres grávidas infectadas pelo vírus.

    A Anadep também pede a obrigação de haver médicos capacitados para o diagnóstico clínico de infecção por zika em unidades do SUS e a imediata disponibilidade nos hospitais de exames para a detecção da infecção.

    Em 2016, em manifestação encaminhada ao Supremo, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), por meio da Advocacia do Senado Federal, alegou que o aborto nessas circunstâncias “diz respeito a um dissenso moral profundo”, sobre o qual dificilmente os parlamentares vão adotar uma “uniformidade de posições”. Para o Senado, a “repulsa ao aborto está profundamente arraigada na cultura brasileira”.

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