A vitória da solidariedade
É preciso olhar para o outro lado da pandemia para ter esperança. A luz que está no fim do túnel é alimentada pela Ciência e pela Solidariedade. Apesar da intransigência da ignorância, sairemos deste caos mais humano, porque já está provado que a vida não tem preço. A desaceleração do consumo fez com que as pessoas descobrissem outros valores. O homem precisa ser humano. O vírus que parou o mundo o fez olhar para dentro de si. A humanidade pós-covid-19 deve valorizar mais os simples hábitos de higiene. Talvez os gestores públicos entendam agora a importância do saneamento básico para a saúde do povo. A crise sanitária chegou antes da econômica. No atual momento, a presença do Estado é imprescindível. Até nos países que defendem a não interferência estatal na economia, ele precisa agir com equilíbrio e responsabilidade para que a igualdade de direitos seja mantida.
Na República Federativa do Brasil, todo poder emana do povo e deve ser exercido para beneficiar a todos e não somente aos eleitos para representá-lo nos termos da Constituição. O Estado democrático de direito deve preservar as instituições e o bem-estar do povo. Esse é um dos princípios básicos de qualquer nação que segue pelo caminho da democracia. É muito triste ver a imagem de valas abertas para enterrar cidadãos que não receberam do Estado a assistência digna nem mesmo nos seus últimos dias de vida. O novo coronavírus expõe a fragilidade da saúde pública. Estamos correndo literalmente atrás e contra o tempo.
A Ciência surge como esperança, porque, em seus princípios, não carrega ideologias, prioriza a vida e segue pela racionalidade dentro de valores éticos. Por isso não deve ser mantida sob as rédeas dos interesses políticos. O mundo inteiro tem presenciado o sacrifício e o empenho dos profissionais da área de saúde no combate à covid-19.
No domingo passado (19/04), nas ruas de Denver, nos Estados Unidos, profissionais de saúde, com máscaras e roupas próprias para uso em hospitais, tiveram uma atitude corajosa: colocaram-se em frente de uma carreata de manifestantes contra o isolamento social. Essa manifestação ocorreu no momento em que o país se encontra como epicentro da epidemia, com aproximadamente 50.000 mortes, segundo contagem da Universidade Johns Hopkins. O gesto desses profissionais fez lembrar a atitude de um jovem chinês desarmado que se colocou na frente de uma coluna de banques de guerra na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 04/06/1989.
Há momentos em que o bom senso precisa suplantar as vaidades. “É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não saímos de nós”, já escrevera Saramago em “O Conto da Ilha Desconhecida”. Às vezes, a intransigência recrudesce, porque não se descola de si parar enxergar a vida por outros ângulos. E, nessa insegurança, não tem nem a companhia da sombra, porque permanece na escuridão da ignorância, por isso foge da luz para defender-se. E, para não se mover, é capaz de afirmar que a luz é a escuridão, por isso quer uma sombra que a proteja. Esse caso, não se trata de narcisismo, porque até para ver a própria imagem é preciso claridade. Nem a clareza dos fatos que a Ciência apresenta a faz acreditar no óbvio. A cegueira da consciência é cruel, explora a miséria e não sente remorso.
A solidariedade soprou a esperança sobre nós. Estamos presenciando gestos de carinho, de companheirismo. A sensibilidade humana está aflorando, as mãos estão sendo estendidas em atos de cooperação.
Carrego esta esperança dentro de mim, que recebeu bons conselhos de uma amiga de 94 anos que faleceu na sexta-feira passada (17/04). Tive que assistir à missa de sétimo dia na lembrança da sua partida pela televisão. Foi ela quem, por ter vivido quase um século, levou-me a acreditar que amar vale apena, apesar de todas as dores.