• Atrás das grades

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  • 16/07/2016 12:00

    O tempo tem as suas obras, deixa as suas marcas: tira a elasticidade do nosso corpo, diminui, aos poucos, a nossa audição para que possamos ouvir melhor o silêncio, limita as nossas retinas para enxergarmos melhor o que “não é visível aos olhos”. 

    Com o decorrer dos anos, as imagens de um passado remoto se cristalizam; mas, do passado mais recente tornam-se vagas lembranças. “Ninguém é superior ao tempo” – aprendi isso com meu pai, que já partiu, quando eu ainda não sabia o que era contar as horas. Foi ele quem me deu um Grão Duque, quando passei no torturante Exame de Admissão, em Teresina. Quando mudei para o Rio, esse relógio foi levado no primeiro assalto que sofri. Na Cidade Maravilhosa, perdi as contas dos assaltos que sofri. Contei até dez. Depois passaram a fazer parte da rotina. 

    Voltando ao assunto do tempo e das lembranças, venho lhe dizer que tenho aprendido muito com o meu sogro que, no próximo mês, completará 90 anos. Gosto de ouvir as suas interjeições quando compara o que traz na lembrança com o que a realidade apresenta: “Pô! Que é isso! Não possível! – Pra que tanto carro parado nas ruas?”

    No sábado passado, conseguimos convencê-lo a sair de casa para dar um passeio, pois o dia estava lindo, o sol estava alegre. Fomos à casa de uma colega de trabalho, na qual havia a comemoração do aniversário de três amigos. E entre os presentes, estava um sobrinho dele. Fato este que nos motivou a levá-lo. Lá, ele ficou admirado com o uso dos celulares nas fotos e nas filmagens: “no meu tempo não tinha nada disso. Tá tudo mudado!” 

    Mas o fato que chamou a minha atenção aconteceu na volta para casa. Ao passar pela Rua Tiradentes, ele exclamou com veemência:

    – Pô! Esses prédios estão todos cheios de grades. As pessoas estão morando atrás das grades! Que loucura! Esses prédios não tinham nada disso… 

    Ao perceber o espanto dele, veio à memória uma das causas que tem levado as pessoas a viverem atrás das grades: – o medo da violência urbana.

    A insegurança nos obriga a criar grades. Há uma indústria que se aproveita desse medo para vender sistemas de segurança, alarmes, câmeras, cercas elétricas. As pessoas se fecham em suas próprias residências. 

    O senhor Dionísio tem razão: a fachada de muitos prédios mudou. Foram cercados para trazer a ilusão de uma proteção.

    Na semana que passou, um apartamento foi assaltado na rua Roberto Silveira, apesar da grade existente na frente do edifício.

    – Roubaram a nossa segurança…

    P.S.: E ainda por falar em lembranças, matei uma saudade: recebi uma singela carta da querida leitora de 91 anos, duas páginas escritas com o próprio punho. Eis o primeiro parágrafo:

    “Que Brasil é esse que estamos vivendo? 

    Lendo a sua crônica de hoje, voltei muito anos no tempo, quando existia um cantor chamado Vicente Celestino que cantava uma música linda exaltando as glórias do nosso Brasil, dizendo até dias viriam em que o mundo invejaria sua história porque seria o paraíso universal. E o final da música era exatamente este:

    “Noutra nação, não há tanta liberdade, / tanta fartura, tanta paz e tanto amor…”

    Essa música que dona Otília citou tem como título “Terra Virgem”. Vicente Celestino a compôs em parceria com o petropolitano Mario Rossi. Dados biográficos deste estão no livro “Poetas Petropolitanos, uma Saudade”, lançado sábado, dia 09, na Casa de Cláudio de Souza, pelo professor, que muito admiro, Paulo César dos Santos. Aqui aproveito a oportunidade para parabenizá-lo pela bela obra.



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