• O preço do feijão

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  • 10/07/2016 12:00

    No poema “Não há vagas”, Ferreira Gullar afirma: “O preço do feijão/ não cabe no poema. O preço/ do arroz/ não cabe no poema./ Não cabem no poema o gás/ a luz, o telefone/ a sonegação/  do leite/ da carne/ do açúcar/ do pão.” Mas como a nossa prosa aqui está em forma de crônica, ficamos livres das rimas, das métricas. A nossa preocupação está no fio da verdade que nos faz separar o joio do trigo. Por isso podemos fugir um pouco das metáforas e trazer a realidade sem eufemismos. 

    O preço do feijão atualmente está fora do orçamento dos trabalhadores desta Nação. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse alimento, tão presente na mesa do povo, sofreu um aumento de 33,49%, entre janeiro e maio do corrente ano. E nos últimos doze meses, ficou em torno de 41,62% mais caro.

     Para que se tenha uma noção desse aumento, basta dizer que, segundo o Instituto Brasileiro do Feijão (IBRAF), a saca de 60 quilos do feijão carioquinha, um dos mais consumidos no país, chegou a custar em torno de R$ 500,00. No ano passado, na mesma época, custava R$ 140,00. Pela primeira fez, a saca do feijão superou o preço da saca de café. Fato este nunca ocorrido “na história deste País”. Quando o salário mínimo terá um aumento nessa proporção?

    O que mais contribuiu para isso foram as variações climáticas. A seca prejudicou a colheita nos estados do Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais.  No Paraná, as chuvas e as geadas não favoreceram a lavoura. Em condições climáticas normais, um produtor consegue colher 50 sacas de feijão por hectare. Por causa dessas condições, foram colhidos entre oito a doze sacas no mesmo espaço, insuficiente para abastecer o consumo. Por isso o governo já admite a hipótese de importar feijão para atender ao mercado e conter a especulação.

    Diante da crise econômica e política que atravessamos, temos que reconhecer o grande senso de humor do brasileiro. Nas redes sociais, circulam várias piadas sobre esse aumento exorbitante. Enviaram-me uma mensagem dizendo que o feijão, na feira, está a preço de banana: três reais a dúzia. 

    Outra mensagem que recebi dizia que ter uma casca de feijão no dente não é mais falta de educação, mas sim uma ostentação.  E aqui podemos expor as outras estrofes do citado poema de Ferreira Gullar:

    “O funcionário público/ não cabe no poema/ com seu salário de fome/ sua vida fechada/ em arquivos. / Como não cabem no poema/ o operário/ que esmerila seu dia de aço/ e carvão/ nas oficinas escuras. / – porque o poema, senhores,/ está fechado:/ “não há vagas” / Só cabem no poema/ o homem sem estômago/ a mulher de nuvens/ a fruta sem preço”.

    Homens e mulheres com estômagos, que não andam nas nuvens, vão às ruas, buscam seus direitos e exigem dos gestores públicos medidas que possam tornar viável a sobrevivência com dignidade neste País. 

    P.S.: Espero que os agricultores não abandonem a lavoura para investir em um mercado que está em franco crescimento: a fabricação de tornozeleiras eletrônicas. A demanda cresceu muito com as prisões da Operação Lava Jato. Entre 2011 e 2015, as licitações tiveram um crescimento de 296%. 

    – Plantar feijão ou fazer tornozeleiras eletrônicas? Estas se tornaram adornos para presos em domicílios. Os de barrigas vazias, sem colarinho branco, lotam as prisões.

    – A expressão “feijão com arroz”, com sentido “do básico”, “trivial”, está ameaçada de não mais corresponder à realidade. E tornozeleira eletrônica está se tornando objeto de identificação de delator premiado.

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