• Banalização da corrupção

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  • 05/07/2016 12:00

    Não há um único dia sem que a grande imprensa não trate da corrupção no Brasil. Confesso que não tenho mais disposição para ler as muitas páginas dos jornais que cuidam do tema, mas considero importante a cobertura oferecida aos acontecimentos delituosos, como contribuição ao combate ao crime contra o erário.  

    Há um ritual que é seguido à risca pela mídia. Primeiro, acompanha-se a operação da Polícia Federal. Em seguida, tem-se a entrevista coletiva com os dirigentes das investigações, que detalham os atos persecutórios. Mais adiante, ouve-se os implicados e seus advogados, com a cantilena de sempre.

    Na linha Lula da Silva, os envolvidos proclamam-se inocentes, não sabem de nada, não viram nada e nunca fizeram nada. Coitadinhos. De igual modo, como o fez Dilma Rousseff, caem de pau em cima das colaborações premiadas e condenam o que chamam de vazamento seletivo das informações sobre seus crimes.

    De início, preferem bancar a avestruz, até serem apanhados diante de provas irrefutáveis. Alguns logo buscam o prêmio do foro privilegiado, uma vez que no Supremo Tribunal Federal os julgamentos arrastam-se por anos a fio. Enquanto o juiz Sérgio Moro já condenou perto de uma centena de delinquentes, na outra ponta, nenhum político foi julgado pelo STF e muito menos condenado. 

    O caso de Renan Calheiros é emblemático. Há cerca de 10 anos responde a processo no Supremo, somando-se agora a mais de uma dezena de outros, embrulhado em pesados delitos do Petrolão. Com a maior desfaçatez, Calheiros ressuscita no Senado projeto de lei que limita a ação da magistratura e o poder investigatório do Ministério Público, a pretexto de coibir abuso de autoridade, mas com o claro propósito de frear a Lava-Jato.

    Por isso mesmo, que me perdoem os leitores, mas não posso deixar de identificar certa injustiça nas prisões de Marcelo Odebrecht e de  outros menos votados. É claro que sua condenação é devida, pois os crimes que praticou merecem ser punidos. Todos eles, como genocidas, matam por atacado, porque a corrupção retira recursos que poderiam ser aplicados na construção de hospitais, prontos-socorros e na ampliação do sistema de saúde. Muita gente morre no Brasil pela falta de assistência médica e hospitalar. No entanto, estranha-se que suporte sozinho a sentença penal e que outros continuem livres, no gigantesco quadro da corrupção nacional.

    A partir da Lava-Jato, entusiasma constatar que a persecução criminal não se restringe às favelas e áreas periféricas, ao alcançar o andar de cima da sociedade. Chegou-se, finalmente, aos endereços mais nobres e caros do Rio de Janeiro e São Paulo. Mas, como observou o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, com a “sociedade devastada pela impunidade”, é preciso acabar com o foro privilegiado, “que é antirrepublicano, faz mal ao Supremo e gera impunidade”, frente ao enorme volume de ações sem decisão em seu tribunal.

    Não haverá Justiça sem que os autores do crime sejam punidos, na extensão de suas responsabilidades. Por que nesse cipoal de infrações apenas Dirceu e Vaccari amargam a prisão, enquanto seus companheiros de conta e de poder continuam escarnecendo do povo brasileiro e da justiça do país? A Nação aguarda uma resposta do Supremo, com a urgência das urgências, ciente de que não há nada de mais injusto do que a justiça quando tarda.

    paulofigueiredo@uol.com.br

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