• A interina mesóclise

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  • 04/07/2016 14:05

    Depois da discussão sobre as expressões femininas “a presidenta” ou “a presidente”, veio à baila a “mesóclise”, a colocação do pronome oblíquo no meio do verbo.

    Eu já estava pensando em ir ao museu da linguagem com o intuito de encontrar uma mesoclisinha, mesmo sendo aquela cristalizada nos convites de casamento: “realizar-se-á”.

    O presidente interino sacudiu a poeira que estava acumulada sobre o uso dessa colocação pronominal. A mesóclise tem ares eruditos. A tendência popular está no uso da próclise: “me chama”, “me empresta”. A ênclise aparece frequentemente no estilo esporte fino, cabe em qualquer ambiente: “amar-te”, “encontrei-a”.

    Em uma entrevista, o excelentíssimo Presidente interino, ao responder uma pergunta sobre a possibilidade de aumento de impostos, proferiu: “fá-las-á”.  Como o ambiente estava descontraído, muitos riram. Mas ele não perdeu o humor, fez uma breve citação das colocações pronominais.

    Quando me deparei com as mesóclises presidenciais interinas, lembrei-me de outro presidente que, embora eleito, só ficou sete meses no cargo, o excelentíssimo senhor Jânio da Silva Quadros que tornou famosa a expressão: “fi-lo, porque qui-lo”. Embora pronunciada incorretamente, ficou na história. Depois ele retificou: “fi-lo, porque o quis.”

    Outra frase atribuída a esse presidente, que se elegeu com o slogan “varre, varre vassourinha. Varre, varre a bandalheira”, também ganhou fama: “bebo porque é liquido, se sólido fosse, comê-lo-ia.” – Essa frase foi pronunciada quando interpelado sobre o consumo de bebidas alcoólicas. E, na carta de renúncia, escreveu: 

    "Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração”.

    As “forças terríveis” que rondam o poder até hoje são fantasmas que tiram o sono de quem ocupa a cadeira presidencial. Os lugares dos pronomes são menos assustadores…

    O presidente interino está na política há anos, já esteve na vice-presidência, mas só agora a linguagem dele ganhou destaque nas páginas de jornais. 

    Eu também já fiquei embaraçado com uma colocação pronominal em uma turma do Ensino Fundamental:

    Cheguei à sala depois do recreio. Os alunos corriam e falavam alto. Estavam tão agitados que nem perceberam a minha chegada. De frente para turma, falei:

    – Acalmai-vos!

    Um aluno gritou assustado:

    – Amém!

    Depois de apascentar os ânimos da garotada, perguntei:

    – Quem gritou “amém!” – Um aluno levantou o braço:

    – Professor, fui eu, desculpe! Pensei que estivesse na Igreja. Lá o pastor também fala o “vos”. Tá na Bíblia. E a gente diz “amém”.

    Verba volant, scripta manent" (As palavras voam, os escritos permanecem). Com essa frase latina o Presidente interino introduziu a carta que enviou à presidente. Acho que essa expressão latina era do conhecimento do ilustre Jânio Quadros, pois este ficou conhecido também pelos seus famosos bilhetinhos. Durante o período que esteve no governo de São Paulo, escreveu mais de quarenta mil bilhetes. E, em resposta a um jornalista, que o tachou de feio e louco, escreveu: 

    “Informo, ilustre jornalista, não ser tão feio quanto pareço nem tão louco quanto devia”.

    P.S.:  Ilustríssimo senhor Jânio, diante de tanta sujeira, uma vassourinha não basta. Talvez uma Operação Lava Jato, sem “forças ocultas”, tenha mais êxito.

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