• Um poeta inconformista

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  • 14/02/2020 14:45

    Apesar de seu título um tanto blasfemo, o novo livro de Andityas Soares de Moura Costa Matos, Deus está dirigindo bêbado e nós estamos presos no porta-malas (Bragança Paulista: Editora Urutau, 2019, 102p.), corresponde linha a linha às intenções do autor.

    O poeta se mostra visivelmente irritado com a loucura e a canalhice de todas as pessoas no Brasil e no exterior e escreve: ”Será que ninguém vê que o mundo / é pura insanidade, cascos de cavalo / pisando fundo na fragilidade de / tudo que é frágil?” (p. 11). E isto é apenas o começo. Pois a seguir ele se faz cada vez mais enojado e enfurecido com o panorama geral, mesmo que, de vez em quando, se faça mais humilde e se confesse: “Senhor, sou indigno da tua palavra, / ouço demônios em cada esquina, / deixome seduzir pela idéia de que não existes.” (p. 22). 

    Nos poemas em prosa da segunda parte do livro, Blasfêmeas, em geral dedicados às mulheres, o poeta adianta, não o seu desamor a elas, mas, infeliz e principalmente, o seu horror às pútridas relações que existem entre elas e os homens, mesmo quando parece desfrutá-las: sereias, seres fantasiosos que nos tiram de sério, nos enredam e despedaçam. Na terceira parte, Belorizontes, as cidades a que se refere praticamente desaparecem sob “Um labirinto de vielas nos / tapetes à janela // – É por ali que se sobe ao paraíso.” (p. 47). 

    Na quarta parte, Devotchkas, numa linguagem menos agressiva, mais concisa, porém tanto ou mais negativista, o poeta exalta uma postura basicamente carnal: “Quando me embriago / visitam-me as húris / de grandes olhos e / peitos alvíssimos. / Então já não preciso / do Paraíso nem / do temor a Deus.” (p. 55). 

    Assim, “A nós nos restam prazeres mais baixos / […] sem excluir a repulsa da carne, o proibido, / […] o que se faz sempre com vergonha e urgência.” (p. 59) – ou seja, haverá sempre esse prazer oculto em praticar algo não recomendado, ir constantemente contra aquilo que nos é interdito. E o poeta prossegue na trama que abriu: “Quero um pouco de sexo sujo, / um pouco dessa sagrada inocência devassa / de perder-se na carne fraca de um deus. // Também lama, lama para encher tua boca, / […] quando a mordida se detém […] // […] os infernos se abrindo entre tuas / duas pernas brancas e limpas?” (p. 65-66). 

    Na quinta e sexta partes, Arcanos Menores e Transiberiana, o poeta desenvolve textos que procuram aludir a tudo aquilo que o homem faz para iludir-se – sejam adivinhações, palavras cruzadas, etc., pois “O universo é isso. / Coisas que não se entendem.” (p. 90). E o poeta encerra suas objurgatórias: “soou o / relógio da madrugada.” (p. 100). Ou como diz Cláudio Willer na segunda “orelha” do volume: o título do livro se refere “à superação da contradição entre sujeito e objeto, sonho e realidade, o desejo e sua realização.” Convém uma leitura integral.. 

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