Brecha para os neologismos
Apesar da riqueza de nossa língua portuguesa, ao correr do tempo, vão surgindo neologismos criados alhures pelo povo no seu cotidiano, circunstancialmente, e em determinadas e oportunas situações é que invadem e passam a integrar o nosso vernáculo, sem qualquer cerimônia e ali fincam suas raízes.
Há muitas décadas, num filme passado na 2ª Guerra Mundial, um soldado norte-americano descendente de italianos recebe, no front, uma encomenda da família e ao abrir se depara com um belo salame. Imediatamente seu companheiro, ao lado, exclama: – “Nossa! Que coisa fedorenta!” e ele replica, “Fedorenta, não, fedoromática, porque é uma delicia”.
Da mesma maneira que os termos e palavras vão surgindo, também vão desaparecendo. Na minha juventude, na época em que se usava “gumex e glostora” nos cabelos, alguns rapazes abusavam, então surgiu o termo “gosmético” – uma mistura de gosma e cosmético. E por aí vai, em cada geração criando seus termos quando alguns permanecem e outros se diluem com o passar dos anos.
Hoje temos termos que nunca deixarão de existir como “petrolão, mensalão e pixuleco” – vão entrar para a história, mesmo que envergonhados. Por isto, existem outros que, forçosamente, deveriam ser criados em nosso vernáculo como, por exemplo – se quando contraímos dívidas, ficamos endividados, quando nos surgem dúvidas, não seria lógico ficar “enduvidados”?
E foi sobre essas duas palavras que, de brincadeira, há muitos anos (antes de me dedicar ao soneto), que escrevi – “Neologismo”:
“Pesquisando vários dicionários / tal verbete não encontrei, / e na minha escrita hesitei – / não sou um temerário / para agredir o vernáculo / dando triste espetáculo.
Idioma tão belo, rico, / vai ficando pobre demais, / ensejando erros capitais, / cheio de dúvidas fico / (eis o termo questionado) – / não seria lógico “enduvidado”?
Para que o termo exista, / se temos tantos anglicismos / forçados pelo capitalismo, / que opinem os neologistas / para não ficarmos “enduvidados” / e com o idioma, endividados.”
E agora me surge uma nova dúvida – a pessoa endeusada, levada aos píncaros da glória e adorada como se fosse um doce cremoso (existem tantos!) – não seria, então, uma pessoa lambuzada de creme – um “crementoso”?
Como diz um caro amigo meu, quando extrapola em suas palavras, faz um alerta – “Que me perdoem as senhoras sensíveis e pudicas” (como incluiu em seu último livro, no final, com sonetos fesceninos) – por isto, também peço meu perdão antecipado para justificar um outro pretenso neologismo complementar ao anterior e que seria destinado aos ídolos extremamente bajulados sem os devidos alicerces que, de repente, despencam de seu pódio e caminham para o ostracismo, ficando recolhidos à sua eterna insignificância, de onde nunca deveriam ter saído. Portanto, se transformariam em “ex-crementosos”. Tem ou não tem lógica?
jrobertogullino@gmail.com