• Brecha para os neologismos

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  • 30/06/2016 12:00

    Apesar da riqueza de nossa língua portuguesa, ao correr do tempo, vão surgindo neologismos criados alhures pelo povo no seu cotidiano, circunstancialmente, e em determinadas e oportunas situações é que invadem e passam a integrar o nosso vernáculo, sem qualquer cerimônia e ali fincam suas raízes.

    Há muitas décadas, num filme passado na 2ª Guerra Mundial, um soldado norte-americano descendente de italianos recebe, no front, uma encomenda da família e ao abrir se depara com um belo salame. Imediatamente seu companheiro, ao lado, exclama: – “Nossa! Que coisa fedorenta!” e ele replica, “Fedorenta, não, fedoromática, porque é uma delicia”.

    Da mesma maneira que os termos e palavras vão surgindo, também vão desaparecendo. Na minha juventude, na época em que se usava “gumex e glostora” nos cabelos, alguns rapazes abusavam, então surgiu o termo “gosmético” – uma mistura de gosma e cosmético. E por aí vai, em cada geração criando seus termos quando alguns permanecem e outros se diluem com o passar dos anos.

    Hoje temos termos que nunca deixarão de existir como “petrolão, mensalão e pixuleco” – vão entrar para a história, mesmo que envergonhados. Por isto, existem outros que, forçosamente, deveriam ser criados em nosso vernáculo como, por exemplo  – se quando contraímos dívidas, ficamos endividados, quando nos surgem dúvidas, não seria lógico ficar “enduvidados”?

    E foi sobre essas duas palavras que, de brincadeira, há muitos anos (antes de me dedicar ao soneto), que escrevi – “Neologismo”:

    “Pesquisando vários dicionários  / tal verbete não encontrei, / e na minha escrita hesitei – / não sou um temerário / para agredir o vernáculo / dando triste espetáculo.

    Idioma tão belo, rico, / vai ficando pobre demais, / ensejando erros capitais, / cheio de dúvidas fico / (eis o termo questionado) – / não seria lógico “enduvidado”?

    Para que o termo exista, / se temos tantos anglicismos / forçados pelo capitalismo, / que opinem os neologistas / para não ficarmos “enduvidados” / e com o idioma, endividados.”

    E agora me surge uma nova dúvida – a pessoa endeusada, levada aos píncaros da glória e adorada como se fosse um doce cremoso (existem tantos!) – não seria, então, uma pessoa lambuzada de creme – um “crementoso”?

    Como diz um  caro amigo meu, quando extrapola em suas palavras, faz um alerta – “Que me perdoem as senhoras sensíveis e pudicas” (como incluiu em seu último livro, no final, com sonetos fesceninos) – por isto, também peço meu perdão antecipado para justificar um outro pretenso neologismo complementar ao anterior e que seria destinado aos ídolos extremamente bajulados sem os devidos alicerces que, de repente, despencam de seu pódio e caminham para o ostracismo, ficando recolhidos à sua eterna insignificância, de onde nunca deveriam ter saído. Portanto, se transformariam em “ex-crementosos”. Tem ou não tem lógica?

    jrobertogullino@gmail.com


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