• Lula, de moto próprio, entre a cruz e a caldeirinha

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  • 11/out 08:00
    Por Gastão Reis

    Em meados da década de 2000, fui a São Paulo para participar de um evento anual da revista HSM – Management em que um dos palestrantes era o ex-ministro Delfim Netto. Jamais me esqueci quando ele ressaltou o vento em popa da economia mundial na primeira década do terceiro milênio. Ela vinha crescendo diante do que parecia ser um futuro promissor. De repente, ele interrompeu sua fala, e arrematou: “Mas, no caso do Brasil, o Lula pensa que foi ele…”. A risada foi geral.

    A expressão ‘estar entre a cruz e a calderinha’ revela que alguém enfreta um dilema, ou seja, ter que decidir entre duas opções igualmente ruins. Este parece ser o caso do presidente Lula diante da situação sinuca de bico  arquitetada por ele mesmo. A diferença em relação ao período mencionado por Delfim Netto é que Lula não está em posição confortável em meados desta década. Pelo jeito, está caminhando para um tipo de impasse a continuar com sua gastança populista denunciada por diversos economistas competentes.

    No período inicial do governo Bolsonaro, em que o ministro Paulo Guedes estava à frente do Ministério da Economia, parecia que era chegada a hora do corte de gastos no perdulário setor público brasileiro. E aí sobreveio a pandemia da Covid-19, que nos torturou por cerca de dois anos. Era um momento extremo em que não havia como cortar despesas imprescindíveis.

    O dramático, no caso brasileiro, é o que podemos chamar de política econômica Saci-Pererê. É aquela de uma perna só, a da política monetária, sem a contribuição da outra perna, sempre ausente, da política fiscal. Na verdade, estamos há décadas praticando taxas de juros reais que se situam entre as mais elevados do mundo, quando não é a campeã. Em boa medida, explica nossa pífia taxa de investimento incapaz de fazer com que nossa renda real per capita cresça a contento. O México, por exemplo, além de produzir a cada ano mais engenheiros do que o Brasil, conseguiu, nos últimos dez anos, dobrar o crescimento de sua renda real per capita quando comparada à nossa.

    Curiosamente, é bem mais frequente na grande mídia a reclamação em relação à nossa taxa de juros estratosférica ao invés da imperiosa necessidade de cortar os gastos públicos exorbitantes, o xodó de Lula. Essa situação reflete uma espécie de apagão de nossa visão de longo prazo. Estudos e pesquisas mostram que um freio de arrumação nos gastos públicos resulta na queda da taxa de juros e crescimento sustentado, em bases permanentes, a despeito dos custos iniciais de curto prazo.

    A opção preferencial de Lula vem sendo a de continuar com medidas de cunho populista como a última que resolveu rotular de Gás do Povo com o custo adicional de R$ 5,1 bilhões para as contas públicas em 2026. A continuar nessa batida, é difícil imaginar uma redução significativa da taxa real de juros comandada pelo Banco Central, cansado de pular numa perna só. É a arma de que dispõe para não deixar a inflação explodir e preservar a conquista, que levamos mais de 30 anos para conseguir, de ter uma moeda estável, nascida com o Plano Real.

    Se Lula ganhar a eleição de 2026, ele está de fato cultivando um abacaxi para si mesmo. Ou seja, sua opção populista é a garantia de um crescimento pífio face ao volume insuficiente de investimento que seria necessário. Se perder a eleição, vai deixar para seu sucessor um cavalo de Tróia cujo ventre vai parir aqueles inimigos de sempre que têm nos levado à perda de posição relativa face aos demais países em matéria de renda real per capita.         

    Não dá para acreditar que o presidente Lula venha a ter o comportamento  correto de cortar gastos públicos. E já fora de controle. Por outro lado, o Banco Central, cujos diretores têm mandatos definidos em lei  – uma bênção! –, não vai reduzir a taxa de juros na marra. Pior ainda: Lula vem acenando com a escala de trabalho 6 x 1 e tarifa zero no transporte público. E mais  a isenção aprovada do IRPF até R$ 5 mil mensais, com vistas às eleições de 2026. É a pré-campanha para comprar o voto do eleitor sem ser incomodado pelo TSE.

    Hora de recorrer a Maquiavel para entender o que está se passando na cabeça do primeiro mandatário do país. A primeira hipótese é a do poder pelo poder, que parece ser a razão para disputar um quarto mandato, mesmo diante de um quadro de crescimento medíocre do País por investir pouco, efeito direto de uma Selic na lua, e da recusa em cortar gastos.

    A segunda hipótese é, descaradamente, a maquiavélica. Se as pesquisas apontarem, por exemplo, para o crescimento da candidatura Tracísio Freitas com Michele Bolsonaro como vice, Lula estaria a cavaleiro para desistir de sua candidatura,  alegando problemas de saúde, mesmo que não seja o caso. Afinal, mentir é seu esporte favorito.

    É óbvio que Lula se sente muito desconfortável com a rejeição que o acompanha ao longo deste terceiro mandato, bem visível em mais um 7 de Setembro sem público, após os dois anteriores bem vazios. E também por só se expor a públicos pré-selecionados para evitar constrangimentos e xingamentos.

    Seria, então, o caso de uma doce (ou bem amarga?) vingança contra uma população que o rejeita desde sua posse?  E, agora, até no Nordeste, que lhe garantiu a eleição para presidente, onde ele vem perdendo pontos nas últimas pesquisas. A questão maior é a seguinte: como fica o País diante desse futuro que mais nos foge do que chega?

    A resposta vai na linha do péssimo arcabouço político-institucional que aprisiona o País. E é o responsável pela produção assustadora de homens públicos focados no próprio umbigo, e não no interesse público, em especial na redução da desigualdade. A saída para valer passa por uma reforma constitucional que abra espaço para a preservação do bem comum.  Mas parece que Lula prefere ficar entre a cruz e a calderinha. E o País que se vire depois.

    **Sobre o autor: Gastão Reis é economista, palestrante e escritor.

    **Contato: gastaoreis2@gmail.com

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