• Juiz condena delegado de polícia a 19 anos de prisão por exigir propinas em cidade do MA

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  • 12/set 11:10
    Por Fausto Macedo / Estadão

    A Justiça do Maranhão condenou o delegado de Polícia Civil Alexsandro de Oliveira Passos a 19 anos, seis meses e 28 dias de reclusão pelos crimes de concussão – extorsão praticada por servidor público – e peculato. Durante quase um ano e meio – segundo a acusação -, entre 2015 e abril de 2016, período em que exerceu a titularidade da delegacia de Morros, ele teria instalado na cidade um esquema de corrupção para exigir propinas de comerciantes e moradores. Para “permitir” o funcionamento de bares, a taxa era de R$ 20 mensais; festas eram liberadas a R$ 160, segundo o Ministério Público.

    Na ação, o delegado negou a cobrança de propinas. Ele alegou que usava o dinheiro para fazer a manutenção da Delegacia de Morros, município com cerca de 19 mil habitantes situado a 100 quilômetros da capital São Luís.

    A reportagem apurou que ele vai recorrer da sentença.

    Ao acolher ação movida pelo Ministério Público, o juiz Geovane da Silva Santos também impôs ao delegado a perda do cargo público.

    Outros dois acusados foram condenados: Paulo Jean Dias da Silva, a 11 anos e sete meses de reclusão e Adernilson Carlos Siqueira Silva, que pegou 8 anos de reclusão.

    ‘Balcão de negócios ilícitos’

    “Ao converterem a Delegacia de Polícia, local que deveria ser um bastião da legalidade e da proteção social, em um balcão de negócios ilícitos, os acusados, liderados pela própria autoridade policial do município, abalaram profundamente a credibilidade das instituições de segurança pública e a confiança da comunidade de Morros no Estado”, pontuou a sentença.

    Apesar de ter sido estabelecido regime inicialmente fechado para cumprimento da pena, os réus poderão recorrer da sentença em liberdade, desde que mantidas as medidas cautelares já impostas.

    O Ministério Público denunciou os três réus pelos crimes de concussão, peculato em continuidade delitiva, associação criminosa e usurpação da função pública. Os dois últimos crimes estão prescritos.

    Segundo as investigações, o delegado e os outros dois acusados “uniram-se para cometer crimes contra a administração pública, valendo-se da estrutura da Delegacia de Polícia Civil de Morros”.

    Na época, Alexsandro de Oliveira Passos era o delegado titular. Paulo Jean Dias da Silva e Adernilson Carlos Siqueira Silva “exerciam irregularmente a função de escrivães, mesmo sem vínculo formal com a administração pública estadual”.

    A concussão, que é quando um servidor público exige para si ou para outro, direta ou indiretamente, vantagem indevida “foi verificada por diversas vezes, notadamente em casos de apreensão de veículos”.

    Em um caso relatado pela Promotoria, o dono de uma motocicleta apreendida por falta de documentos regularizou a situação e, ao tentar recuperar o veículo, foi informado da “necessidade de pagamento de R$ 600, reduzida a R$ 500 após negociação”.

    Em um outro episódio, um homem intimado a comparecer à Polícia por suposta prática de ameaça teve sua motocicleta apreendida em frente à Delegacia. Após regularizar o pagamento e tributos atrasados, a vítima foi informada que precisaria pagar R$ 1 mil para reaver a moto. Após negociação, a vítima pagou R$ 500.

    O pagamento era sempre em dinheiro vivo a Paulo Jean da Silva, que restituía os veículos sem a emissão de qualquer recibo ou termo formal, diz a Promotoria. “A ausência de registros oficiais de apreensão e restituição evidencia o caráter irregular da conduta”, aponta, na sentença, o juiz Geovane da Silva Santos.

    Bares

    Ao assumir a titularidade da Delegacia de Polícia de Morros, Alexsandro “estabeleceu a cobrança de R$ 20 mensais para autorizar o funcionamento de bares na cidade”.

    “Os valores deveriam ser pagos diretamente na Delegacia, sob pena de interdição dos estabelecimentos, independentemente de licença expedida pela Prefeitura”, aponta a Promotoria.

    Os pagamentos eram entregues a Paulo Jean da Silva, tanto na Delegacia como nos próprios bares. Testemunhas afirmam que, muitas vezes, as cobranças eram feitas com o uso de viatura da Polícia Civil. Após o pagamento, os comerciantes recebiam um documento denominado “autorização de funcionamento”.

    A sentença revela que “após o início da investigação do Ministério Público, Paulo Jean compareceu aos bares e recolheu algumas das autorizações que haviam sido distribuídas, rasgando-as ou prometendo levá-las para ajustes, evidenciando a tentativa de suprimir os elementos que poderiam comprovar a prática criminosa”.

    ‘Manutenção’

    Interrogado, o delegado confirmou a cobrança, mas alegou que os valores eram destinados à manutenção da Delegacia, embora não tenha apresentado nenhuma testemunha ou documento que comprovasse a versão, segundo a Promotoria.

    O juiz Geovane da Silva Santos anotou que a forma da arrecadação, em espécie e sem a geração de guia de recolhimento oficial, contraria o procedimento previsto. Além disso, os valores teriam que ser destinados, obrigatoriamente, ao Fundo Estadual de Segurança Pública.

    Documento expedido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública atesta que nos anos de 2015 e 2016 “não houve nenhum registro de depósito da Delegacia de Morros em favor do Fundo”.

    Ainda de acordo com o Ministério Público “irregularidades também foram encontradas na cobrança de taxas para a realização de festas em Morros”.

    Eram cobrados R$ 160 por festa, pagos diretamente a Paulo Jean da Silva. “Essa liberação era condição, inclusive, para pareceres favoráveis à realização dos eventos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente.”

    Ressarcimento

    Os réus foram condenados a ressarcir o prejuízo causado. Alexsandro Dias e Paulo Jean da Silva responderão solidariamente pelo pagamento de R$ 8,2 mil relativos à cobrança de licenças de festas e taxas de bares, além da cobrança pela liberação de motocicletas da Delegacia.

    O ex-delegado e Adernilson Carlos Silva deverão ressarcir outros R$ 2.210 referentes ‘a valores cobrados indevidamente a título de fiança’.

    A promotora de Justiça Érica Ellen Beckman da Silva destacou a condenação dos envolvidos ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 100 mil, que deverão ser revertidos ao Fundo Estadual de Direitos Difusos do Maranhão.

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