• Raridade: desinformação no The Economist

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  • 06/set 08:00
    Por Gastão Reis

    Antes de mais nada, deixo claro que não sou nem nunca fui bolsonarista. Mas há uma questão de justiça e respeito aos fatos que se impõe. Eu me refiro à matéria publicada pela revista The Economist, em sua edição de 30 de agosto a 5 de setembro deste ano de 2025, que traz na capa uma foto de Bolsonaro travestido de Viking do Capitólio, relembrando a figura do americano que liderou o grupo que invadiu o Capitólio, em janeiro de 2021, incentivado por Trump. Na capa, já traduzida, a manchete é a seguinte: “O que o Brasil pode ensinar aos EUA – O julgamento de Jair Bolsonaro”.

    O primeiro equívoco foi travestir Bolsonaro como Viking do Capitólio quando ele estava ausente do País e não comandando o 8 de janeiro de 2021. Em seguida, a revista não contém seu entusiasmo e diz mais: “Julgamento de Bolsonaro ‘dá lição aos EUA de maturidade democrática`. Só editores muito mal-informados desconhgecem o que é, de fato, a democracia brasileira para nos conceder o status de País que atingiu a maturidade democrática. 

    Lição de maturidade política exigiria que o Brasil tivesse voto distrital puro, ou algo equivalente, e a possibilidade de revogação de mandatos dos políticos (recall). São duas falhas gritantes de nossa legislação eleitoral. The Economist, sediado em Londres, sabe perfeitamente que países de língua inglesa têm como pedra angular de sua democracia o voto distrital puro e o recall, justamente para que os políticos possam ser controlados entre as eleições, instrumentos que o eleitor brasileiro não tem à sua disposição.

    O segundo erro vem na primeira frase da matéria onde é dito que o ex-presidente Bolsonaro ao não ser reeleito se recusou a aceitar o resultado das urnas. A grande maioria da população brasileira se lembra da visita ao STF, que foi televisionada, de Bolsonaro, acompanhado do ministro Paulo Guedes,  reconhecendo a vitória de Lula e colocando até mesmo os chefes do exército, da marinha e da aeronáutica à disposição do novo governo. Quem toma uma atitude como esta está longe de ter condições de dar um golpe. E que, de fato, não aconteceu, não é mesmo, senhore(a)s ministro(a)s do STF.

    Na verdade, o que aconteceu foi que a população brasileira, residente nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, onde Bolsonaro se saiu vitorioso, e onde vivem 75% dos brasileiros e brasileiras, tinha, e tem, forte rejeição a Lula. Pior: é público e notório que o STF ressuscitou Lula politicamente, para usar as palavras do ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello, que corajosamente assim se pronunciou no Brasil e no exterior. Ou seja, dada a condenação de Lula por unanimidade em mais de um tribunal, inclusive no STF, ele não poderia ter sido sequer candidato. Mas, depois, o STF resolveu descondená-lo com o pífio argumento de que o foro deveria ter sido Brasília, e não Curitiba.

    Em seguida, vem uma parte jocosa do The Economist. Afirma que os EUA e o Brasil parecem estar trocando de posições. A América estaria se tornando mais corrupta, protecionista e autoritária, com Trump ameaçando o Federal Reserve (Banco Central americano) e as cidades cujos prefeitos são do Partido Democrata. Em contraste, o Brasil estaria determinado a salvaguardar e fortalecer sua democracia. Primor de desinformação da revista, dado que a ministra Cármen Lúcia, do próprio STF, tenha reconhecido publicamente que a Carta de 1988 foi desrespeitada. E continua a sê-lo pelo ministro Alexandre de Moraes em várias decisões monocráticas equivocadas e autoritárias.

    A matéria nos fala ainda da democracia restaurada em 1988 com a nova Constituição Cidadã, tão decantada por Ulysses Guimarães. Se nos valermos da competente avaliação de Roberto Campos (“É uma mistura de tudo: mesquinharia, xenofobia, irracionalidade econômica, corporativismo, pseudo-nacionalismo e vários outros “ismos” infectos.”), vamos concluir que ele acertou na mosca. Afinal, o Brasil vem perdendo posição relativa até em relação aos nossos vizinhos latino-americanos medida pela renda real per capita.        

    A revista menciona ainda o que ela vê como as loucuras de Bolsonaro e de sua radical polarização sem mencionar que o slogan de Lula e PT foi, por muitos anos, o nós-contra-eles. Lula, em tempos (não tão) idos, disse que aprendeu com Marx que a luta de classes é o motor da história. Motor enguiçado, digo eu, pois seu efeito foi travar o crescimento dos países, como, a duras penas, a ex-URSS e a própria China acabaram aprendendo.

    Em seguida, recuperando a lucidez que lhe é peculiar, The Economist nos fala da surpreendente concordância em relação a uma difícil, mas urgente, agenda em direção a uma profunda reforma político-institucional, cada vez mais clara, dada a sequência de décadas perdidas que o Brasil vem colecionando desde 1980.     

    Mais adiante, a revista nos informa – pasme, caro(a) leitor(a)! – que o STF é o guardião da democracia brasileira, não obstante a conivência de seus membros com os desmandos monocráticos, bem ao jeito de um ditador, do ministro Alexandre de Moraes. Dentre eles, alguns casos gravíssimos em que o ministro negou permissão para tratamento médico. Um deles foi o do empresário Cleriston Pereira, que veio a falecer, e outro, ao manter presa uma idosa inocente e cadeirante de 74 anos até hoje.

    Mais adiante, The Economist afirma que Bolsonaro precisa ser julgado por seus crimes e punido, se for condenado. Faltou a coragem de dizer que a Primeira Turma do STF é um tribunal de acusação, coisa que o País inteiro sabe de antemão, inclusive juristas de renome nacional, que se recusam a subscrever a acusação de tentativa de golpe Estado que, de fato, não houve.

    Por fim, mas não menos importante, é o fato de que Bolsonaro ser bem vindo e aplaudido sempre que tem a oportunidade de estar em contato com a população. Já Lula, só se expõe a grupos pré-selecionados por saber que iria ter que ouvir os impropérios e xingamentos da população.

    Em suma, onde está a legitimidade do presidente e do próprio STF, obrigado a recorrer a salas VIPs em aeroportos para se livrar de pesados apupos?

    **Sobre o autor: Gastão Reis é economista, palestrante e escritor

    **Contato: gastaoreis2@gmail.com

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