
Como perdoar
Inumanas são as guerras. A história dos homens está repleta de cenas dantescas. Pelos conflitos registrados no presente e no passado, é possível perceber que o instinto animalesco da irracionalidade tem prevalecido sobre o que se convencionou chamar de humano.
A sobrevivência hoje é um privilégio. A insegurança se apresenta como um dos fatores que mais contribui para o transtorno do pânico. Ela se torna mais visível em pessoas que vivem em regiões de conflitos armados, em regiões urbanas marcadas pela violência.
Não é possível precisar o número de pessoas que perderam a vida em conflitos bélicos ao longo da história. Vidas perdidas inutilmente. Inocentes são alvejados fora dos campos de batalha.
O ataque ao único templo católico na Faixa de Gaza que matou três pessoas e deixou nove feridas na quinta-feira passada (17/07) levou-me a externar aqui o meu pessimismo sobre a desejada paz entre os homens.
Rotineiramente recebemos notícias sobre mortes de inocentes desarmados, vítimas de ataques que só revelam a ganância pelo poder. A morte é banalizada. Os números de vítimas ganham espaços nas estatísticas. E ninguém se responsabiliza pelas consequências que aniquilam vidas. Os que conseguem se salvar deixam para trás tudo que construíram. Perdem tudo, menos o sonho de encontrar um espaço para viver em paz.
Segundo relatório da agência da ONU para os refugiados (Acnur) divulgado em 2024, estima-se que 120 milhões de pessoas em todo mundo estão deslocadas à força de suas casas devido a perseguições, conflitos, violência e violação de direitos. Se todas elas estivessem em um mesmo território, formariam o 12º país com maior população.
“Os homens não melhoram/ e matam-se como percevejos”. Esses versos, que se encontram no poema “Sobrevivente” do livro “Alguma Poesia”, lançado em 1930, por Carlos Drummond de Andrade, sempre me incomodaram na juventude. Que “os homens não melhoram”, eu entendia, agora sobre o fato que “matam-se como percevejos”, eu levantava algumas dúvidas, porque lembrava o episódio narrado por Machado de Assis no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que o personagem filósofo Quincas Borba, diante da briga entre dois cães por “um simples osso nu”, fala para o Brás Cubas, o defunto autor que narra:
“… Fez-me observar a beleza do espetáculo, relembrou o objeto da luta, concluiu que os cães tinham fome; mas a privação do alimento era nada para os efeitos gerais da filosofia. Nem deixou de recordar que em algumas partes do globo o espetáculo é mais grandioso: as criaturas humanas é que disputam aos cães os ossos e outros manjares menos apetecíveis; luta que se complica muito, porque entra em ação a inteligência do homem, com todo o acúmulo de sagacidade que lhe deram os séculos etc.”
Se os homens lutassem como os cães por “um simples osso nu” não teríamos tantas vítimas inocentes. O problema maior está no acúmulo de sagacidade e no uso da inteligência para fazer o mal. O aperfeiçoamento da tecnologia bélica aprimorou o grau de letalidade das armas.
Sempre me interrogo: – quanto vale uma vida?…
Há certos momentos que questionamos a natureza humana: – de que matéria é feito o homem? Esse bicho que mata o semelhante por motivo torpe, fútil.
Uma outra pergunta também me incomoda: – como perdoar os erros dos que se consideram super-homens, que se colocam acima do bem e do mal e com poder para dizimar os que são considerados seus inimigos?
O ataque à Igreja da Sagrada Família na Faixa de Gaza foi considerado um erro. Uma “munição perdida atingiu a igreja”. O perdão é um ato instituído por Jesus Cristo. Basta lembrar o momento em que Ele ordenou a Pedro para guardar a espada na bainha e não reagir. O perdão ocorre quando se neutraliza o ódio e o desejo de vingança. E para isso é preciso fortalecer o amor.
A guerra é a manifestação explícita do desamor. Ainda acredito que o homem tenha sido criado para viver em paz e harmonia com o semelhante, regido pela essência do amor. Por essa razão, encontro dificuldade para convencer-me de que a humanidade carrega intrinsicamente o trágico pela sagacidade do ódio, da inveja, do egoísmo. Mas não tenho a ingenuidade de pensar que tudo se resolverá pela ação de um super-herói como nas ficções cinematográficas. O processo de pacificação é longo e lento, pois depende de ações coletivas e da competência de um corpo diplomático que possa conter os conflitos pelo diálogo. A guerra também evidencia o fracasso da diplomacia.