• Será a volta do grande porrete?

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  • 19/jul 08:00
    Por Gastão Reis

    A desmemória histórica nos acompanha com frequência inoportuna. Sem enquadramento histórico, nenhum povo consegue ter rumo, inclusive os EUA. As últimas peripécias do presidente Trump nos remete ao touro numa loja de cristais. Em recente manifestação nos EUA, prestei atenção num cartaz que dizia o seguinte: “Trump is a tramp”, ou seja, “Trump é uma armadilha”. E me dei conta de que havia muita substância nestas quatro palavras.

    A primeira mensagem é que Trump representa um sério risco para o próprio grande irmão do norte. A longo prazo, ele está levando os EUA na direção oposta do que vem pregando no sentido de tornar a América grande de novo. A América já é grande! Seus tarifaços empurram seu próprio país para o isolamento. E deixa claro, pelos vai-e-vens, que os EUA estão sendo conduzidos  por um presidente que parece não saber as consequências de seus atos. Afinal, pagar mais caro por produtos importados vai doer no bolso dos americanos.

    A segunda mensagem é que o estrago tem efeitos mundiais deletérios tanto junto a parceiros tradicionais, como os europeus e latino-americanos, quanto junto àqueles que Trump diz serem os inimigos, China e congêneres. A máxima política correta deveria ser juntar-se aos amigos para enfrentar os inimigos. Trump sabe que seu país tem capacidade de destruir o mundo, mas não ignora o risco da autodestruição pela contaminação nuclear abrangente.

    O economista Marcos Lisboa, em entrevista recente, afirmou que existe consenso entre direita, centro e esquerda quanto aos desacertos em cascata que Trump vem promovendo. A teoria e a prática econômicas deixam claro que guerra tarifária sempre acaba mal, a não ser que Trump pise no freio antes que o contexto desande de vez. Mesmo neste caso, ele vai deixar sequelas entre os parceiros. O enfoque tudo-para-a-América não é – nem pode ser – bem-visto.

    A história americana já nos brindou com a figura do presidente Theodore Roosevelt entre 1901 e 1909, período em que exerceu a presidência. Ficou mais famoso pela frase “Speak softly and carry a big stick”, ou seja, “Fale de modo suave e carregue um grande porrete.”  Foi também conhecida como a diplo-macia das canhoeiras. Esta filosofia de nos defender dos europeus (“América para os Americanos”) resultou posteriormente em intervenções militares dos EUA, em especial na América Central e mesmo na do Sul. Inclusive no apoio ao estabelecimento de ditaduras que defendiam interesses americanos.

    Não obstante, Theodore Roosevelt é considerado um dos cinco presidentes  mais importantes dos EUA. Internamente, ele deixou sua marca com a política do Square Deal (Acordo Justo). Tratava-se de um pacote de políticas domésticas apoiadas nos seguintes pilares: justiça equitativa para o cidadão comum; quebra de grandes monopólios; regulamentação das ferrovias e da economia; e controle sanitário de alimentos e remédios.

    Além disso, deu também prioridade à conservação, estabelecendo parques, florestas e monumentos nacionais com o propósito de preservar os recursos naturais da nação. Na política externa, ainda levou adiante a criação do Canal do Panamá, e expandiu a marinha americana como expressão do Big Stick. E, para deixar claro o novo poderio americano, enviou mundo afora numa tournê a frota de guerra dos EUA. Tornou evidentes as ambições mundiais dos EUA. E, de fato, o século XX foi marcado pela presença e atuação dos EUA no plano internacional.            

    Theodore Roosevelt tinha, digamos, dupla personalidade. Pessoalmente, era uma pessoa correta e honesta. Um bom exemplo foi ter conseguido  reformar com sucesso a polícia de Nova York, nacionalmente conhecida como corrupta. Internamente, deixou um legado positivo para o povo americano. Por outro lado, no plano externo, alimentou os planos de expansão e influência dos EUA em termos planetários. A elite americana ia, de caso pensado, na mesma direção. O século XX, em especial após o fim da II Guerra Mundial, foi um século americano.

    A teoria do porrete funcionou bem ao longo do século XX até a guerra do Vietnam, aquela que os americanos perderam para um povo pobre, de baixa estatura, mas extremamente determinado. O filósofo francês Jean Paul Sartre disse na época que foi algo que ampliou o campo do possível. E com razão.

    Mas existe uma diferença importante na aplicação da teoria do porrete  naquela época e hoje, via tarifaços, como Trump vem fazendo. Seu antecessor do início do século XX teve o cuidado de deixar um lastro de realizações muito positivo para o povo americano, que muito se beneficiou de seu Square Deal já descrito.  

    A teoria do porrete de Trump vem tendo efeitos tem negativos no plano interno. Ele vem destruindo o legado de Theodore Roosevelt. Ele não está muito preocupado com o cidadão comum, nem em quebrar grandes monopólios, ou em regulamentar ferrovias e em exercer controles sanitários. E menos ainda em preservar recursos naturais. A visão dele é deixar o mercado funcionar a pleno vapor com a promessa de que a longo prazo os americanos irão se beneficiar com sua proposta de tornar a América grande novamente.  

    É sabido desde Adam Smith, pai da teoria econômica como ciência, e de David Ricardo, que demonstrou a vantagem para ambas as partes no comércio internacional da teoria das vantagens comparativas via especialização na produção de bens em que possuem menor custo de oportunidade. Ou seja, em que podem produzir mais eficientemente em comparação com outros países.

    A ironia do destino é que Theodore Roosevelt e Trump são ambos republi-canos. Trump está dando um cavalo de pau no ideário do Partido Republicano, indo em direção contrária ao que o partido foi ao longo de muitas décadas. Historicamente, os democratas começavam as guerras e os republicanos punham fim nelas. A guerra tarifária de Trump quebra também esta tradição positiva de seu partido.  E pior, pelo jeito, não vai conseguir fazer seu sucessor.

    Trump vai descobrir, no final das contas, que seu porrete está bichado.

    **Sobre o autor: Gastão Reis é economista e escritor

    **Contato: gastaoreis2@gmail.com

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