
Clube 29 de Junho – História e Tradição
A Casa Delrue e Companhia
Nesta edição, temos o objetivo de abordar alguns detalhes do contrato que foi firmado em 1844 entre o Governo da Província do Rio de Janeiro e a Casa Delrue e Companhia, estabelecida em Dunquerque, na França.
As informações deste documento foram publicadas originalmente no Jornal do Comércio, nº 163, em um sábado, dia 21 de junho de 1844. É muito importante deixar registrado para os estudiosos do assunto, que este documento está disponível para consulta no endereço virtual memoria.bn.gov.br.
Também é importante explicar um pouco sobre quem era Charles Delrue, o personagem principal da Casa Delrue e Companhia, responsável por trazer os colonos alemães para o Rio de Janeiro.
Na coluna do Instituto Histórico de Petrópolis, publicada no Jornal Tribuna de Petrópolis, o Dr. Francisco Vasconcelos nos trouxe informações importantes conseguidas em sua viagem feita à cidade de Dunquerque, na França, em 1982.
Charles François Joseph Delrue nasceu em 08 de junho de 1803, em Dunquerque, na França. Filho de Charles François Delrue e Pélagie Perpetue Colpaert, se casou com Victore Marie Louise Massy, em 28 de janeiro de 1824, e atuou como Vice-Cônsul do Brasil em Dunquerque até 1853. Também consta que Delrue atuou como comerciante e armador, através da Casa Delrue e Companhia.
De acordo com o Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, apresentado à Assembleia Legislativa, em 01 de março de 1844, informação publicada no Jornal do Comércio, nº 78, em uma quinta-feira, dia 21 de março de 1844, a Casa Delrue e Companhia possuía 18 embarcações e era uma das mais consideráveis atuantes no Porto de Dunquerque.
Ainda conforme o Relatório, Charles Delrue, por intermédio do Cônsul Geral do Império, propôs ao Governo colocar suas embarcações à disposição para trazer quaisquer colonos que a Província do Rio de Janeiro desejasse contratar, se responsabilizando tanto pela escolha quanto pelo embarque, garantido aos colonos todas as circunstâncias morais necessárias, e estipulando as passagens e demais despesas sob condições mais favoráveis que qualquer outra casa concorrente.
O acordo que resultou na chegada dos colonos alemães estabelecidos em Petrópolis, em 1845, foi firmado entre o Governo da Província do Rio de Janeiro, representado pelo seu Presidente Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, e a Casa Delrue e Companhia, representada pelo cidadão napolitano Eugênio Pisani, no dia 17 de junho de 1844, na Secretaria da Presidência da Província do Rio de Janeiro.
Conforme publicado no Jornal do Comércio, o contrato foi dividido em 4 artigos principais, que estabeleciam as devidas obrigações tanto do Governo da Província do Rio de Janeiro quanto da Casa Delrue e Companhia, acerca dos colonos.
Dentre muitos detalhes, o primeiro artigo estabelecia que o Governo da Província do Rio de Janeiro deveria pagar aos agentes da Casa Delrue e Companhia a quantia de 245 francos por cada colono contratado na Europa, até completar o número de 600 colonos trabalhadores, e pelas mulheres dos que fossem casados legitimamente.
O Governo também deveria pagar a metade desta quantia por cada filho destes 600 casais, cujas idades fossem entre 5 e 15 anos, contanto que os colonos fossem alemães, portugueses, belgas, franceses, italianos, espanhóis ou suíços, não menores de 18 anos de idade, especialistas nos ofícios de carpinteiro, ferreiro, pedreiro, canteiro, cavoqueiro e trabalhadores de estrada.
Cada leva de colonos não deveria ser menor que 100 trabalhadores, nem maior do que 200. Também foi estabelecido que a primeira leva deveria chegar dentro de 8 meses, a partir da data do devido contrato, enquanto a última deveria chegar no máximo dentro de 18 meses, a partir da mesma data.
Foi especificado que nenhum colono seria contratado sem a confirmação por parte do cônsul brasileiro de que este se encaixasse nos devidos requisitos exigidos pelo contrato.
O contrato especificava também que o Governo da Província do Rio de Janeiro pagaria à Casa Delrue e Companhia as devidas quantias concernentes às passagens e demais despesas destes colonos, fazendo-os ter ciência de que tal pagamento constituía-se como um empréstimo a ser pago posteriormente pelos próprios colonos, através do seu trabalho nas obras da Província.
O pagamento deste empréstimo deveria ser descontado lentamente pelo Governo da Província, através de uma dedução da quarta parte do salário recebido por estes colonos, e especificava que o salário recebido seria o mesmo pago aos demais trabalhadores das mesmas obras pelo mesmo tipo de serviço prestado, sendo a quantia mínima de “um mil réis” por dia de trabalho aos ditos trabalhadores e 1$280 da moeda brasileira aos “oficiais de ofício”.
O segundo artigo especificava que deveriam ser dadas cópias autênticas deste contrato aos responsáveis pela contratação dos colonos na Europa, acompanhadas de ofícios da Presidência da Província do Rio de Janeiro aos respectivos ministros brasileiros residentes nos países em questão.
Os devidos cônsules deveriam tomar ciência para que tudo fosse cumprido exatamente como especificado no contrato, a fim de que os colonos contratados estivessem cientes das condições estabelecidas.
O terceiro artigo estabelecia detalhes sobre o procedimento de desembarque destes colonos no Rio de Janeiro, após uma vistoria feita para certificar que os tais estivessem em conformidade com as determinações do contrato.
O quarto artigo especificava os detalhes concernentes ao procedimento de pagamento por parte do Governo da Província à Casa Delrue e Companhia pelas devidas despesas, conforme o câmbio do dia da chegada de cada navio ao Rio de Janeiro.
O artigo em questão ainda especificava que o descumprimento de alguma das devidas obrigações para com o processo de viagem dos colonos, desobrigaria o Governo da Província do Rio de Janeiro para com a Casa Delrue e Companhia.
E assim, assinaram o devido contrato Antônio Alvares de Miranda Varejão, Secretário do Governo da Província; Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Presidente da Província do Rio de Janeiro; e Eugênio Pisani, representante legal da Casa Delrue e Companhia, através de uma procuração de Charles François Joseph Delrue.
Os navios chegaram ao Rio de Janeiro entre 13 de junho e 08 de novembro do ano de 1845, mas uma queixa assinada pelos colonos que estavam a bordo no navio Marie, orientados pelo Capitão Chastell, foi enviada ao Imperador Dom Pedro II, e encaminhada ao Vice-Presidente da Província, José Carlos Pereira de Almeida Torres, em 16 de agosto de 1845.
Nela, os colonos alemães se queixaram de que a Casa Delrue e Companhia não se conteve em receber apenas as quantias estipuladas pelo contrato, mas também cobrou 80 francos extras por cada pessoa entre 15 e 40 anos, 40 francos extras por cada pessoa entre 5 e 15 anos, e 10 francos extras por cada criança menor de 5 anos.
É mencionado que tal extorsão aconteceu em Köln (Colônia) mediante uma promessa de que o Governo Imperial do Brasil os restituiria as devidas quantias.
No caso dos colonos mais pobres, a Casa Delrue foi acusada de extorquir documentos de confissões de dívidas diante de ameaças, enquanto outros tiveram seus recibos arrancados com o pretexto de anexá-los a outros documentos e assim entregá-los ao Governo Imperial do Brasil.
Os colonos ainda afirmam que a Casa Delrue deveria tê-los fornecido “boa carne de vaca e de porco, boa bolacha, legumes secos, diariamente um quarto de medida de cerveja, duas vezes por semana bebidas espirituosas, e nos domingos um quarto de medida de vinho por pessoa, e para cada um bom colchão de palha e travesseiro”, mas nada disso foi fornecido.
Sobre o fornecimento de comida, o relato descreve para cada pessoa uma bolacha diária em estado de “putrefação e cheia de vermes”, uma concha diária de sopa em caldo ralo, uma concha diária com sopa de ervilhas ou feijão preparada em “água podre”, batatas em estado de putrefação dentre outras coisas mais. Um cenário de fome, doença e miséria ao longo de semanas em alto mar.
Pode-se concluir então que a jornada dos colonos alemães começou com a dolorosa decisão de romper laços com a sua querida terra natal, deixando para trás amigos e familiares, enfrentando dificuldades e privações ao longo de semanas em alto mar, e foi concluída através de um legado de fé, coragem e trabalho que se mantém vivo até os dias atuais, graças aos esforços de seus descendentes. E que esta história seja ensinada às futuras gerações.
BIBLIOGRAFIA:
1 – Site memoria.bn.gov.br – Jornal do Comércio. Ano XIX. Edição 21.06.1844.
2 – Livro 150 Anos da Colonização Alemã em Petrópolis, Instituto Histórico de Petrópolis, 1995.
3 – Livro Petrópolis – Relatos Históricos, Thalita de Oliveira Casadei, 1991. Ed. Gráf. Jornal da Cidade.