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Monsenhor Theodoro: um gigante de baixa estatura
Homenagem a Mons. Theodoro da Silva Rocha no ensejo do centenário de seu falecimento
O dia 22 de fevereiro de 1925, há exatos cem anos, amanheceu como um domingo qualquer. O calendário civil marcava-o como o Domingo de Carnaval, enquanto o calendário litúrgico assinalava o Domingo da Quinquagésima, tempo de preparação mais próxima para a Quaresma.
Às 9h15, como de costume, a Santa Missa Paroquial seria celebrada na velha Matriz de São Pedro de Alcântara, sacrário dos antigos petropolitanos e vetusta catedral do extinto Bispado de Petrópolis. Subiu ao altar, como tantas outras vezes, o vigário daquela Matriz: Monsenhor Theodoro da Silva Rocha. No auge de seus 51 anos, iniciou com zelo as cerimônias sagradas. Rezou as orações ao pé do altar, ao qual venerou com ósculos respeitosos, e proclamou ao povo o capítulo 13 da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, serei como um bronze que soa ou como um címbalo que tine…”
Em seguida, anunciou o Evangelho do dia: a narrativa de São Lucas sobre Jesus curando um cego que mendigava pelos caminhos de Jericó.
Terminadas as leituras bíblicas, ascendeu ao púlpito para instruir seus paroquianos. Talvez inspirado pela epístola, que exaltava a caridade, e pelo evangelho, que falava de um cego mendicante, pôs-se também o pregador a mendigar—não por si, mas pelos desígnios de Deus. Com fervor e humildade, fez um apelo ardente à generosidade de seus fiéis, exortando-os a contribuírem com esmolas para a conclusão das obras da nova Matriz. Pois, como bem sabemos, a edificação de nossa atual Catedral, iniciada ainda no século XIX, permanecia inacabada.
E foi nesse instante que o destino lhe reservou seu último ato. Enquanto rogava pela caridade de seus paroquianos, subitamente tombou do púlpito, acometido por um acidente vascular cerebral. Na assembleia, um médico prontamente acudiu o sacerdote. Monsenhor Theodoro foi conduzido à residência paroquial, nos fundos da Matriz, onde recebeu os últimos sacramentos das mãos do Cônego Servacio. Às 15h30 daquele mesmo dia, entregou serenamente sua alma a Deus, ladeado por amigos e por seu fiel cooperador, o Padre Leon Andrieu.
Assim, no exercício do ministério, consumou-se a vida apostólica do vigarinho dos petropolitanos. Chamavam-no assim, no diminutivo, não apenas por sua baixa estatura, mas pela ternura e proximidade com que tratava seus paroquianos. Seu funeral, realizado no dia seguinte, 23 de fevereiro de 1925, foi marcado por grande acompanhamento e expressões de pesar, culminando em seu sepultamento no Cemitério de Petrópolis.
O sermão que começara no púlpito da Matriz teve seu desfecho num púlpito horizontal—e foi mais eloquente do que qualquer palavra. Sobre este episódio, escreveu Dom Gregório Paixão, em 2015:
“O apelo do Monsenhor Theodoro não foi em vão. Tanto é que, no domingo, dia 29 de novembro de 1925, nove meses após seu pedido e morte, as portas da Nova Matriz abriram-se definitivamente para a solene inauguração.”
A morte deste pequeno-grande vigário selou a união de ricos e pobres em prol da nova Matriz, nossa majestosa Catedral, que hoje enche de orgulho os petropolitanos e de admiração os visitantes. Até mesmo depois de morto, a memória de Monsenhor Theodoro continuou a servir ao bem de Petrópolis. Não poderia ser diferente: sua existência se entrelaçara com a história desta cidade encantadora.
Dados de uma Vida Abençoada:
Nasceu o menino Theodoro da Silva Rocha no dia 31 de julho de 1873, na fazenda de São Pedro dos Rochedos, localizada na paróquia de Santo Antônio do Rio Bonito, região de Conservatória, Valença – RJ. Seus pais eram José de Araújo Rocha e Dona Rita Carlota da Silva Rocha. Foi batizado em 06 de janeiro de 1874, na mesma fazenda onde veio ao mundo. Seus padrinhos foram o Comendador Carlos Theodoro de Souza Fortes e Dona Maria Angélica da Silva, e, como era costume à época, o nome lhe foi atribuído em homenagem ao padrinho.
Com apenas 13 anos de idade, ingressa em março de 1887 no Seminário São José do Rio Comprido, no Rio de Janeiro, inicialmente com a intenção de buscar uma formação sólida. Contudo, já no seminário, ele descobre sua verdadeira vocação para o sacerdócio.
Após concluir os estudos no Seminário Menor, transferiu-se para a cidade de Mariana, em Minas Gerais, a fim de prosseguir sua formação no renomado Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte. Durante esse período, destacou-se como um aluno brilhante, cujos dotes intelectuais foram amplamente elogiados pelos seus mestres. Além disso, firmou laços de amizade com grandes nomes do clero mineiro, como Dom Silvério Gomes Pimenta e Monsenhor José Silvério Horta. A correspondência trocada entre esses homens de Deus, algumas das quais ainda preservadas no Arquivo da Cúria de Petrópolis, atesta o profundo vínculo de afeto que os unia. Mais tarde, Monsenhor Theodoro receberia de Dom Silvério Gomes Pimenta o pleno uso de ordens em toda a Diocese de Mariana, além da faculdade para usar as vestes prelatícias no território daquela Igreja particular.
Em 1891, recebeu a Tonsura, um rito que, àquela época, simbolizava a entrada formal na vida clerical, assim ele tornou-se oficialmente um clérigo da Diocese do Rio de Janeiro. Em 1892, com a criação da Diocese de Niterói pelo Papa Leão XIII, a terra natal de Theodoro passou a integrar esta nova diocese. A partir desse momento, com 18 anos, aquele moço tomou a decisão de transferir-se para o clero de Niterói, onde tudo ainda era novo e com grande carência de padres. A vocação abnegada daquele que viria a ser o futuro vigário de Petrópolis já se manifestava com clareza desde a sua juventude.
Foi ordenado sacerdote pelo Bispo de Niterói, Dom Francisco do Rego Maia, na Catedral de Niterói, no dia 19 de dezembro de 1896. Em 1897, com a transferência da sede e do nome da Diocese de Niterói para Petrópolis, Padre Theodoro se mudou para a cidade, uma vez que ocupava o cargo de Secretário da Cúria Diocesana.
Em 1898, foi nomeado Capelão da Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, recebendo, em 1911, o título de Membro Benfeitor da mesma instituição. Seu trabalho apostólico foi reconhecido pelo Papa Leão XIII, que, em 1900, o distinguiu com o título de Missionário Apostólico.
Em 28 de janeiro de 1901, Theodoro foi nomeado pároco de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis, em substituição ao Padre Joaquim José Valença, embora tenha continuado a prestar serviços junto à Cúria Diocesana. Em 1902, com a transferência do Bispo de Petrópolis, Dom Francisco Braga, para Belém do Pará, este lhe dirigiu uma carta onde expressava sua gratidão pelos valiosos serviços prestados: “Não posso e não quero deixar de agradecer, como cordialmente agradeço a V. Revma. os relevantes serviços, que na Câmara Episcopal, como digno escrivão, tem prestado por mais de seis anos à Diocese Petropolitana, auxiliando-me desinteressada, zelosa e diligentemente na Administração Diocesana.”
Theodoro continuou a servir com o mesmo zelo ao segundo Bispo de Petrópolis, Dom João Francisco Braga, de 1902 a 1907. Com a transferência deste para a Diocese de Curitiba e, diante da Sé Vacante de Petrópolis, o Pároco de Petrópolis foi nomeado Governador da Diocese, tomando posse de tal ofício em 02 de dezembro de 1907, sendo, também, nomeado Cônego Honorário da Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Durante esse período de vacância, sob a liderança do Cônego Theodoro, iniciaram-se os preparativos para a transferência da sede da Diocese de Petrópolis para Niterói, que se concretizou com a posse de Dom Agostinho Francisco Benassi em maio de 1908. Nessa ocasião, Cônego Theodoro teve de decidir entre continuar a pastorear a paróquia de Petrópolis ou servir à Cúria Diocesana, agora estabelecida na distante Niterói. Seu coração de pastor o levou a optar pela paróquia, e, sem as obrigações curiais, dedicou-se integralmente ao paroquiato da extensa freguesia, que fazia fronteira com as paróquias de Inhomirim, Sebollas e São José do Rio Preto.
Foi agraciado com o título de Monsenhor em 09 de setembro de 1908. Seu trabalho foi fundamental para a construção da nova Matriz de Petrópolis, que foi inaugurada apenas meses após sua morte.
Em 1917, seu nome foi indicado para o episcopado, para assumir a Diocese de Guaxupé, em Minas Gerais. No entanto, recusou tal proposta e, mais uma vez, escolheu Petrópolis como seu campo de trabalho, onde permaneceu até sua morte, em 22 de fevereiro de 1925, há cem anos.
Suas cinzas, agora fundidas ao solo petropolitano, são como um eco daquela memorável homilia da quinquagésima, proferida por um padre que, nas palavras de Gabriel Kopke Fróes, viveu única e exclusivamente para os petropolitanos. Pois, segundo o espírito do bom pastor, a vida de um pároco não é vivida para si, mas para os seus paroquianos.
Descanse em paz e no Senhor, zeloso vigarinho de Petrópolis! Receba nossa humilde homenagem.
Seu nome e seu legado ainda dignificam o clero e a população da Cidade Imperial.
Fontes:
ARQUIVO HISTÓRICO E ECLESIÁSTICO DA DIOCESE DE PETRÓPOLIS: Pastas com arquivos de Monsenhor Theodoro, Dom João Braga, Dom Francisco do Rego Maia e Dom Agostinho Benassi;
FROES, Gabriel Kopke, O Vigarinho. Disponível em: <ihp.org.br/vigarinho-o/>
MISSAL DOMINICAL, Domingo da Quiquagésima, 1921.
PAIXÃO, Dom Gregório, A Catedral de Petrópolis: Santuário da Memória da Cidade Imperial. Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio, 2015.
TRIBUNA DE PETROPOLIS, A morte de Monsenhor Theodoro Rocha, p. 02, 24 de fevereiro de 1925.