Dança: terapia para a alma e motivação para a vida
“A dança salvou a minha vida e fez de mim quem eu sou, mesmo após os 50 anos de idade”. Este relato pode, muitas vezes, gerar descrença por parte das pessoas. Mas só quem vive, sabe. Em um cotidiano cada vez mais virtual e que propicia cada vez menos o contato físico entre as pessoas, estar inserido em um grupo que incentiva e promove a inclusão através da dança, de maneira ativa e criativa, pode fazer a diferença na vida de alguém.
Para muitas pessoas, a dança serve como uma válvula de escape para amenizar os problemas pessoais. Em um dos salões do Centro de Cultura, em uma terça-feira à noite, encontramos um grupo enorme e animado de pessoas unidas pela paixão pelo forró. Eles se reúnem para aprender a dançar, mas o que levam dos encontros é a esperança de uma nova vida.
Neste dia, o salão foi pequeno para o grupo que ocupou a calçada e encheu a noite de ritmo e alegria. É essa alegria que inundou a vida da cuidadora de idosos Laura Cristina, de 50 anos. Participante ativa das aulas de dança, ela conta que deixou para trás a tristeza, o sofrimento e a depressão e encontrou ali uma nova motivação para a vida. “Hoje eu não consigo viver sem a dança. O forró é minha vida, é minha terapia, é onde encontro toda a paz e motivação que preciso”, disse, emocionada, referindo-se ao grupo como uma família: “Fui aceita e acolhida”.
O grupo é comandado pelo músico e produtor cultural William Agassis. Professor dedicado e atencioso, ele ensina os passos do forró e estimula também a interação e o contato entre as pessoas. O projeto independente, criado há dois anos, ganhou o nome de “Núcleo Sô Forrozeiro”.
Aulas gratuitas, encontros, viagens e participações em shows compõem o cenário desta família formada e aberta a pessoas de todas as idades, com diferentes perfis e com diferentes histórias de vida. Atualmente, frequentam os encontros, que acontecem três vezes por semana, uma média de 80 pessoas.
“O forró tem uma energia particular muito saudável. As pessoas nem sempre sabem o que buscam quando entram no grupo, mas percebo que têm em comum uma insatisfação social. Aqui, acabam aumentando a grade de amigos. A rotina deles muda, já que os dois dias ‘mortos’, que são segunda e terça, se tornaram as melhores horas da semana”, avaliou Agassis, que criou o grupo na intenção de trazer para Petrópolis atividades culturais interessantes para que não tivessem a necessidade de sair da cidade para se divertirem.
A psicóloga Fernanda Bandarra faz coro aos benefícios da dança, do forró e do grupo: “É uma jornada de autodescoberta, assim como a vida. Durante os encontros, as pessoas descobrem mais sobre si mesmas e ‘desabrocham’. Isso salva vidas”, opina a profissional, que também é frequentadora assídua das aulas do ‘Núcleo Sô Forrozeiro”. Ela afirma que as pessoas criam mais confiança em si mesma, fazem amigos e se redescobrem, e isso faz com que aprimorem o próprio comportamento.
O testemunho dos aprendizes de dançarinos confirma o que a ciência explica há muito tempo. A prática da dança pode auxiliar na luta contra diversas doenças e distúrbios, como a depressão, que é uma doença multifatorial e que afeta fatores psicológicos, sociais e biológicos. Segundo a presidente da Unifop, a psicóloga Jociane Coutinho, a prática estimula a coordenação, a memorização e a melhor expressão das próprias emoções.
“Nos casos mais leves de depressão, uma psicoterapia pode ser o suficiente para ressignificar vários aspectos que ela interfira. Em outros, a dança vem como uma ótima opção para auxiliar no tratamento terapêutico: por permitir trabalhar esses aspectos, além de propiciar diversas relações interpessoais, ela vem como uma excelente proposta que intervém justamente nas questões comportamentais, físicas e emocionais”, contou.
Ações de combate à depressão
A ciência tem demonstrado que as atividades que colocam o corpo em movimento conectam a alma ao bem-estar, e isso funciona como um remédio auxiliar. A Organização Mundial da Saúde havia anunciado que, em 2020, a depressão seria a primeira causa de adoecimento e de afastamento do trabalho, superando as complicações cardiovasculares. Entretanto, o prognóstico foi antecipado, e isso já está acontecendo.
Dados do Ministério da Saúde mostram um aumento de 115% no número de atendimentos de jovens, entre 15 e 29 anos, no Sistema Único de Saúde (SUS) relacionados a depressão, entre 2015 e 2019. A porcentagem foi maior que os 52% registrados no mesmo período para a população em geral. Na última semana, o Governo Federal lançou uma campanha para que os jovens valorizem os vínculos sociais reais.
“Antes de postar, converse mais. Antes de curtir, viva de verdade. Antes de compartilhar, faça parte”. Esse é a campanha principal que foi veiculada durante todo o Setembro Amarelo. E parece que a prática da dança propicia toda essa campanha de uma só vez. A priorização do “ser” antes do “ter” é o que está salvando vidas mundo afora.
A dança como estímulo
Em Petrópolis, além do grupo ‘Núcleo Sô Forrozeiro’, há diversos grupos de dança para os mais variados gostos. Entre grupos de danças de salão, de danças folclóricas ou até de bailes noturnos, há várias instituições oferecendo lições tanto para iniciantes quanto para quem já é familiarizado. Quanto mais se dança, mais estímulos são dados ao próprio corpo. A cada passo, novos caminhos são criados no cérebro.
Quanto mais vezes o movimento é repetido, melhor ele vai ficar ao longo do tempo porque o cerebelo vai aperfeiçoando o processo. Sabe aquele convite para dançar juntinho? Pode ser mais benéfico ainda, já que a dança em casal pede que cada um entenda o ritmo, o tempo e o movimento tanto do parceiro quanto o de si mesmo. Quanto mais estímulos para o cérebro, melhor o próprio bem-estar.
“Sempre ouço relatos de outros dançarinos que começaram justamente por estarem sentindo um vazio dentro de si próprios e hoje são pessoas infinitamente mais felizes. O bacana é que a dança é a para todo mundo, ela não exclui ninguém. Dessa forma, as pessoas passam a se entender melhor e se acolherem. É assim que elas se redescobrem e compartilham de um mesmo propósito”, conclui o professor Pedrinho Alves.