• ‘Você tem mais cara de passista’; 93% de secretárias de governos citam violência psicológica

  • 10/dez 16:46
    Por Rayssa Motta / Estadão

    Situações de assédio e importunação sexual, como aquelas relatadas pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco – que denunciou o ex-ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos, governo Lula), são uma realidade para muitas outras mulheres em cargos de comando na administração pública. Pela primeira vez, secretárias estaduais e municipais foram ouvidas sobre o tema. 93% relataram ter sofrido violência psicológica, 43% disseram ter sido vítimas de violência de gênero e 33% vivenciaram algum tipo de violência sexual no exercício da função.

    Os resultados fazem parte do Censo das Secretárias: mapeamento com primeiro escalão dos governos subnacionais. Pesquisadores ouviram mulheres que exerceram cargos no primeiro escalão das prefeituras das 26 capitais e dos 27 governos estaduais entre novembro de 2023 e março de 2024.

    O objetivo foi investigar como a violência de gênero se manifesta no cotidiano do Poder Executivo a nível local. Muitas vezes, assumir secretarias estratégicas em prefeituras ou governos estaduais funciona como uma porta de entrada para mulheres se lançarem na carreira política.

    “As diferentes formas de assédio e violência política contra as mulheres constrangem sua participação nos espaços de poder, sendo urgente desnaturalizar sua ocorrência para combatê-la”, afirmam os responsáveis pelo levantamento em nota técnica. As organizações Instituto Aleias, Instituto Alziras, Instituto Foz e Travessia Políticas Públicas estão à frente da iniciativa.

    A pesquisa foi construída a partir de questionários e entrevistas por videoconferência. As respostas foram organizadas com base na tipificação das formas de violência contra a mulher definidas na Lei Maria da Penha – psicológica, física e sexual. Em praticamente todas as categorias analisadas houve maior incidência de agressões contra mulheres negras.

    Colegas de trabalho (65%) e correligionários em partidos políticos (41%) despontam como os principais agressores, aponta o levantamento.

    Outro dado chamou a atenção dos pesquisadores: quase metade das secretárias (48%) decidiu não denunciar os episódios de violência.

    O estudo reúne relatos de secretárias municipais e estaduais. Todas tiveram a identidade preservada para evitar retaliações. Leia abaixo trechos dos depoimentos:

    – Na semana passada, tivemos uma reunião aqui e a pessoa, no Dia da Mulher, foi dar uma palavra na sala, era um homem advogado com OAB e tudo, e o cara simplesmente disse assim: ‘Eu respeito as mulheres que estão em situação de destaque, mas acho que o papel da mulher é em casa cuidando dos filhos’. Isso é um homem falando no Dia Internacional da Mulher.”

    – “Já ouvi isso: ‘Você tem mais cara de passista do que de secretária’. Também já ouvi isso várias vezes: ‘Você é a mulata que todo mundo quer na política, né?'”

    – “Eu tive uma situação com um secretário. Fui chamar a atenção dele, ele me trancou na sala, fechou a porta e apagou a luz. Eu fiquei em uma sala trancada.”

    – “Eles não parecem perceber que estão assediando, é como se fosse um comportamento normal. E eu percebo muitas sutilezas em alguns comportamentos que ainda não são fáceis de confrontar e tratar.”

    – “Infelizmente, o Brasil ainda não criou um ambiente saudável para a gente fazer isso, porque quando a mulher na política denuncia, ela é retirada do cenário político, ponto.”

    A partir dos dados, os pesquisadores criaram uma lista de recomendações para combater a violência de gênero no alto escalão da administração pública. A criação de mecanismos legais contra a violência política de gênero e a promoção de gabinetes paritários estão entre as sugestões.

    “Reconhecer formalmente a dimensão política da atuação das secretárias municipais e estaduais é essencial para tratar as violências que enfrentam como um problema coletivo, que impacta não apenas suas trajetórias individuais, mas também a qualidade da representação feminina na política”, defendem os pesquisadores no documento.

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