• Geração de picles

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  • 08/09/2019 08:00

    Ali na rua Marechal Deodoro, um pouco depois daquele declínio que há entre a garagem do prédio da operadora e a calçada do banco, onde várias pessoas já escorregaram, mais frequentemente em dia de chuva. Ali, onde, na semana passada, uma senhora caiu, porque prendeu o saldo do sapato no buraco que havia entre as pedras portuguesas, do lado oposto às barraquinhas de churros, um pouco depois do simpático senhor que há décadas vende pipocas, tive a grata satisfação de encontrar um amigo, colega de profissão. Aposentou do magistério, mas não “pendurou as chuteiras”, continua, agora, exercendo a Medicina placidamente.  Encostamos um pouco ao lado da calçada para não atrapalhar o fluxo. E, de uma forma saudosa, ele falou de um colega que faleceu já no gozo de sua aposentadoria. 

    Às vezes, o fluxo da vida cria estes hiatos: o trabalho nos une por um tempo, mas depois perdemos o contato com os colegas que se aposentam ou transferem de cidade, ou mudam de profissão. E assim, vem um distanciamento estabelecido pelas atribulações do viver, pela correria do dia a dia; quando, de repente, somos surpreendidos por uma notícia de falecimento. Com isso, ficamos com essa sensação indagativa: “o que a vida faz com a gente?…”

    Pelos compromissos que ainda tínhamos que cumprir, a prosa com o citado amigo foi rápida e nostálgica. Porém, diante da nossa reflexão saudosista, ele concluiu: 

    – Acho que somos de uma geração de picles, sempre aparece alguém para nos dizer que estamos bem conservados. – O riso foi inevitável e a dor amenizada.

    Nós nos despedimos, mas levei comigo a reflexão do “estar conservado”. Há momentos em que contabilizamos o tempo vivido e queremos prolongar a nossa passagem por aqui. Portanto, alguns cuidados com a saúde são imprescindíveis. Contudo, o prazer de sentir-se útil pelo trabalho que realiza funciona como tanino no vinho que, com o tempo, ganha sabor. O trabalho é rejuvenescedor.

    O envelhecimento não é doença, as limitações físicas, com o passar do tempo, são inevitáveis, porém a lucidez para encarar as adversidades da vida favorece a vitalidade do espírito, indispensável na manutenção do bom humor. 

    Tenho outro amigo que aponta o “estar de bem com a vida” como o segredo para administrar a caminhada na famosa terceira idade. Um dia, conversando com ele, que tem humor afiado, daqueles que não perde a oportunidade de tecer um comentário irônico, dentro do perfil dos que perdem uma amizade, mas não perdem a piada, disse-me:

    — Eu mudei da água pro vinho, com autorização médica. O meu cardiologista me aconselhou a tomar uma taça de vinho antes das refeições. Agora estou me sentindo no-vinho. 

    Sobre essa questão da idade, ainda fico com o pensamento de Cícero que viveu antes de Cristo: “Os homens são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons.”  O pensamento de Leonardo da Vinci também segue nessa linha:  “O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã.”

    Com o receio das mudanças previstas no projeto de Reforma na Previdência, vários profissionais “conservados” pediram aposentadoria. Uns estão agora cuidando dos netos, dos pais idosos ou estão no banco das praças, olhando para o ontem. Estes são os que mais sentem a falta da convivência no ambiente de trabalho. O meu caso é mais sério: terei que fazer terapia para pedir aposentadoria. A garotada precisa ter um pouco mais de paciência, pois terão que me aturar por mais alguns anos falando de literatura e brigando pelo uso correto das normas gramaticais.

     

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