Servidor do TJ diz à PF que depósitos para desembargador eram doação de cestas básicas
Citado em meio à investigação da Operação Churrascada sobre suposto esquema de rachadinha no gabinete do desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o servidor Marcos Alberto Ferreira Ortiz informou a Polícia Federal que as transferências que fez para o magistrado estão ligadas a uma campanha de doação de cestas básicas realizada em meio à pandemia. Ortiz relatou que o desembargador comprou as cestas básicas e ele o reembolsou com o dinheiro arrecadado junto a outros magistrados e servidores da Seção Criminal da Corte estadual.
Chefe de seção judiciária, Ortiz depôs no inquérito da Operação Churrascada, que investiga um suposto esquema de venda de sentenças que teria se instalado no gabinete de Ivo de Almeida, presidente da 1.ª Câmara Criminal do TJ – desde junho, o desembargador está afastado das funções por ordem do ministro Og Fernandes, relator da Churrascada no Superior Tribunal de Justiça.
O depoimento de Ortiz instala uma barreira à frente de um ponto crucial da Churrascada porque esvazia a versão sobre esquema de rachadinha no gabinete de Ivo de Almeida.
Como mostrou o Estadão, os federais passaram a suspeitar da divisão de dinheiro a partir da quebra do sigilo bancário do desembargador que revelou depósitos fracionados de R$ 641 mil no período entre fevereiro de 2016 e setembro de 2022.
A PF verificou que a data dos depósitos era coincidente com o dia de vencimento da fatura dos cartões de crédito e de outros boletos do magistrado. Os repasses foram realizados por Ortiz e por Silvia Rodrigues, assistente jurídica.
Marcos Ortiz iria depor à PF em julho, mas o procedimento foi adiado. No final daquele mês, ele pediu a seus advogados que juntassem aos autos da Operação Churrascada declarações “de próprio punho” sobre transações bancárias registradas entre ele e o desembargador. O documento foi juntado ao inquérito na última segunda-feira, 7.
O servidor sustenta, “de modo peremptório e taxativo”, que as operações que entraram na mira da PF estão ligadas a uma campanha de doação de cestas básicas realizada na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo em meio à pandemia da Covid-19.
Os beneficiários, esclareceu Ortiz, foram servidores terceirizados que “estavam vivenciando momentos de aperto financeiro, recebendo aportes apenas do auxílio emergencial, pois os contratos foram paralisados naquele momento”.
Ortiz narrou que campanhas similares são uma tradição na Seção Criminal. Segundo ele, a campanha realizada em meio ao flagelo da pandemia se destacou por ter gerado “amplo engajamento e significativa gama de contribuições”.
O servidor explicou à PF que foi escolhido como titular de uma conta poupança criada para recepcionar as doações. A ele coube o papel de divulgar a campanha e coletar os auxílios.
“Todos os aportes e depósitos feitos nessa conta foram rigorosamente realizados a título destas doações. E todos os repasses que fiz ao dr. Ivo de Almeida foram a título de reembolso pois ele primeiro encomendava e pagava as cestas e, depois, nos encaminhava o cupom fiscal da compra para que eu fizesse o reembolso, exatamente no valor do cupom fiscal”, destacou.
O servidor esclareceu que não é lotado no gabinete de Ivo de Almeida. Ele atua como chefe da Seção Administrativa, braço executivo da Coordenação dos Prédios da Justiça Paulista na Rua Conselheiro Furtado.
Ortiz contou à PF que iniciou a divulgação da campanha no dia 4 de junho de 2020 por meio de um texto escrito pelo próprio desembargador. Segundo ele, foram entregues, mensalmente, 60 cestas básicas. No final da campanha, que se estendeu até março de 2021, as doações chegaram a 70 cestas.
Ele aponta que fez 10 transferências para a conta de Ivo destinadas ao reembolso das cestas que haviam sido compradas pelo desembargador. Ortiz anotou ainda a existência de dois depósitos do magistrado para a conta poupança, a título de doações.
Ortiz apresentou à PF documentos referentes às entregas, os emails de divulgação da campanha, mensagens de retorno de desembargadores e de funcionários que participaram das doações, assim como os cupons fiscais e transferências de reembolso para Ivo.
“Nunca fiz uso de um único centavo de dinheiro público ou alheio para uso pessoal. Sobrevivi e continuo sobrevivendo e cuidando de minha família com meu salário que ganho com meu trabalho honesto e árduo à frente das minhas obrigações”, afirmou Ortiz.