• A velhice da Carta Magna

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  • 15/08/2019 09:45

    O poeta português Guerra Junqueiro, em 1885, combatendo dogmas e práticas vetustas da Igreja, escreveu uma série de textos e poemas aos quais deu o título de A velhice do Padre Eterno. Cá entre nós, não no campo religioso, mas no político, precisamos seguir seu exemplo e atacar a velhice que assolou nossa Constituição, passados apenas 30 anos de sua promulgação. Por disposição dela própria, seu texto original foi submetido a revisão, depois de 5 anos de sua vigência.  Nessas três décadas que se seguiram, mais de 100 emendas modificaram e ampliaram suas disposições. Criou-se em seu bojo o mecanismo das chamadas cláusulas pétreas – outro subproduto do temor – as quais servem para engessar e inibir o Poder Constituinte Derivado e afastar pretensões mais altas de modernização de nosso status civitatis. Tem ainda como apenso o Ato das Disposições Transitórias, destinado a adaptar aos tempos vindouros situações antigas, o que se está cumprindo e quase no esgotamento.  Transformou-se o texto constitucional em uma colcha de retalhos, minudente, às vezes contraditória, prolixa, analítica.

    A justificativa para adoção de um modelo constitucional analítico se firmava no temor de retrocessos políticos, mal saído que estava o país dos governos militares que se instalaram a partir de 1964. Valeu a intenção, mas nossas instituições democráticas se solidificaram e não mais dão amparo ao medo inicial de revanchismo. As eleições, de modo geral, têm sido limpas e possibilitaram a alternância no poder de grupos políticos absolutamente divergentes entre si. Nesse período, dois procedimentos de impeachment destituíram dos cargos Presidentes da República, sem que o país parasse e sem grandes convulsões sociais. Os desmandos e desvios de conduta dos governantes dos últimos 16 anos colocaram o eleitor diante da escolha entre uma plataforma moralista e anticorrupção, embora vazada em linguagem populista e imprópria, em confronto com a possibilidade de retorno ao poder dos grupos responsáveis pelas irregularidades denunciadas e que vêm sendo punidas. O eleitorado fez sua opção pelo afastamento dos corruptos; não há que se temer recaídas antidemocráticas, pois a imprensa é livre e contundente e funcionam perfeitamente os mecanismos de controle.

    Nesse quadro, é chegada a hora de se proceder a uma verdadeira reforma constitucional, abolindo de seu texto a exagerada minudência, em prol de uma carta enxuta, objetiva, desincentivadora da excessiva judicialização que está abarrotando nossos tribunais e contribuindo para a morosidade na prestação jurisdicional e para reincidentes privilégios na obtenção de vaga nas pautas de julgamento, em detrimento do princípio maior que deveria ser solidificado: a igualdade de todos diante da lei.

    O país não precisa de uma “terceira instância” instalada nos chamados tribunais superiores. Há que ser rígida – mas para todos – a regra de acesso à Corte Suprema, para lá levando apenas questões constitucionais, independentemente da suposta importância dos interessados no litígio. 

    O que qualifica uma constituição e permite sua longevidade e eficácia não é o número de dispositivos que ela contém, mas o respeito que gera, eliminando a insegurança jurídica. Embora não se pretenda fazer transplantes, é de se observar a solidez da Constituição Americana, promulgada em 1787, contendo apenas 7 artigos e que sofreu, ao longo desses anos, apenas 27 emendas.

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