• No caminho com a simplicidade

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 13/08/2019 10:00

    Não há como descontar. O dito é flecha fora do arco. O contado segue esperando ponto para aumentar o conto. Lê-lo é deixar-se tocar. O lido em ruminância vai longe, alcança distâncias inesperadas, faz pouso até na alma. A palavra soprada ao vento, quando carrega verdade, atravessa continentes, se esquece de ter fim.

    Este texto não nasceu por este começo, veio pela notícia da morte da atriz Ruth de Souza em 28/07. Fato que removeu o que já estava assentado no passado. Por isso demorou a ser parido. Quando a lembrança é sacudida não se sabe o que cai de maduro. Foi ali pela praça São Salvador, no Rio, que a vi pela primeira fez, recém-chegado de Teresina, ainda jovem, sem saber colher do cotidiano o que serve como aprendizado para o caminhar na vida: aquela senhora que a via pela tv estava ali no carne e osso. E de repente ouço:

    — Oi! Tudo bem!

    O garoto percebeu que tinha sido percebido pelo aflorado da admiração. Isso o surpreendeu. O olhar havia denunciado o bonito constatado. Por isso, pelo impulso do susto, respondeu:

    — Tudo bem!… – Essa resposta foi no demorado rápido do encontro que ficou guardado no carinho da consideração. 

    A eloquência não está na palavra dita, mas no sentimento que carrega. Fiquei com a minha carteirinha de fã assinada naquele dia.

    Foi apenas um segundo, mas que ficou registrado num sempre repousado na memória, logo revirado pela notícia da morte. Tenho guardado assim imagens como de Carmen Costa, Elizete Cardoso, Clementina de Jesus, Ângela Maria, Maria Clara Machado. Foi minha mãe quem colocou o respeito no meu peito para reconhecer raízes.

    A simplicidade é uma virtude que se manifesta espontaneamente, abre espaço para o ser autêntico revelar-se nas mínimas atitudes. Em contrapartida, a vaidade busca a excentricidade e encontra, no exibicionismo, uma maneira de chamar a atenção. E, pela falta de modéstia, vangloria-se na ostentação do fútil. 

    O tempo é mestre, ensina a desprender-se do supérfluo, porque a felicidade é desatada das futilidades, alimenta-se somente do que é essencial. É um equívoco pensar que uma vida simples seja uma simples vida. Quem marcou a história dos homens com a eternidade pregou o Bem e não a aquisição de bens. E disse: “se alguém quer ser o primeiro, seja o último e o servo de todos.”

    Quando vejo a busca da fama, a qualquer custo, apelada pelo nu, bate um lamento, porque o talento fica esquecido. Vaidade é ferrugem, mas “ninguém é de ferro”, portanto, basta fortalecer o caráter.

     O menino que viu a dona Ruth na praça admirou-se, porque se deparou com a cidadã. Viu a diferença entre pessoa e personagem. Guardou consigo a simplicidade da pessoa e reconheceu a competência da profissional. Ela seguiu as orientações da mãe ao revelar a vocação: “você pode fazer tudo em sua vida com educação, postura e comportamento”. Com essa receita, venceu os preconceitos. Levou a nossa pele pela primeira vez ao Teatro Municipal, tornou-se a primeira atriz brasileira a ser indicada a um prêmio internacional, o Leão de Ouro, no Festival de Veneza. Não se rendeu, não vendeu a sua privacidade, venceu. Atravessou a Sapucaí com a vida glorificada em samba-enredo. Pelas asas da liberdade, deixou este mundo aos 98 anos.

    É triste ver pessoas querendo firmar-se no mundo artístico por escândalos, fazendo publicidade da intimidade, usando até as relações sexuais como marketing. Não vale a pena mergulhar na lama para alcançar a fama. Os méritos estão na competência. Não há felicidade sem paz na consciência. O verniz da aparência não suporta a ação do tempo.

    Últimas