• A medalha de ouro de Sara

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  • 12/08/2019 10:10

    Mais de 150 quilos, músculos em profusão saltando do corpo. Mas frágil, prostrado na cama. A febre de 40 graus o obrigava à troca de roupa dez vezes por dia, tão encharcado ficava. Depois da doida viagem de 29 horas, o fuso horário entorpecia o organismo. A infecção na garganta era a gota d’água. O médico deu antibióticos pesados. Mas tinha a competição em breve. Arremesso de peso no Pan-Americano de Lima. Ele sonhava com a medalha. O título. O recorde! O nome na história. Era favorito. Mas estava acabado. Um frangalho. Ligou para a mulher. Como nós, homens, fazemos, quando hesitamos diante de uma fragilidade.

    A testosterona no corpo masculino o põe em alerta, dá agilidade e força. Mas quando vem imprevisto, mal-estar, doença, óbito, exigências de sensibilidade, o homem vira um rinoceronte encolhido. Envergonhado, sabe que devia responder com alguma força, que agora não tem. Não sabemos o que fazer quando não dá pra resolver algo capinando logo um quintal, quebrando umas pedras, consertando uma parede, dirigindo um carro ou dando alguma ordem. É quando somos fracos. Ao percebermos, ficamos ainda mais fracos. Ao ponto do risível. 

     Mulheres vivem isso de outro modo. Treinadas para a resistência, hormonalmente dotadas para a resiliência, mulheres têm maleabilidade. Um ser que é em regra subestimado, desprezado, quando não agredido, mas que mesmo assim sobrevive, se ergue e vai em frente, um ser que sangra todo mês, cujos ossos se alargam para ali se depositar outra vida, uma pessoa assim olha os homens e nossas febres com piedade. Podia rir, nos ridicularizar, mas não. A mulher traz a sua força e nos empresta. 

    Em 2018 foi divulgado estudo de duas universidades, americana e dinamarquesa. Analisaram episódios históricos de grande mortandade. A fome na Suécia do século XVIII, a migração de ex-escravos para a Libéria e epidemias na Islândia, no século XIX. O brutal decréscimo na expectativa de vida foi muito maior entre os homens do que entre as mulheres. A conclusão foi. Mulheres são mais resistentes do que os homens. Em tempos de Reforma da Previdência, há comprovação científica de que o estudo citado, na verdade é tendência demográfica mundial. Mulheres vivem mais do que os homens.

    Mas, eu dizia. O sujeito fortão lá do começo ligou para a mulher aos prantos. Não estou aguentando. Desisto, volto pra casa. Ela: nem pense nisso! Estou indo pra aí. Desembarcou no Peru, Sara Romani, ex-atleta do salto com vara, esposa de Darlan Romani, o atleta destruído. Da Vila Olímpica mudaram-se para um quarto de hotel. Sara ficou ao lado do marido. Preparou sua dieta de enfermo. Fez as compressas. Trocou-lhe a roupa mil vezes. Ministrou os antibióticos. Foi psicóloga. Deu conforto, carinho e coragem. Coisas que uma mulher sabe fazer como ninguém.

    No horário previsto, Sara pôs Darlan de pé, redivivo, de uniforme e na pista. Começou a prova. Ele lançou o peso sucessivamente a 20,81 metros, depois 20,92m, 21,19m, 21,14m, 21,54m, até chegar ao recorde pan-americano, de 22,07! Cada uma dessas passadas largas até a vitória era precedida do entusiasmo de Sara. “Vai, Darlan!”. Ele foi. Ao final, o gigante vitorioso abraçou sua pequena esposa guerreira. Sabia que sua impressionante medalha de ouro era dela. Como, aliás, quase tudo que nós homens, fazemos de decente. Sempre há uma Sara por detrás. Que aprendamos a retribuir tais cuidados. Não só com carinho, mas com direitos iguais. 

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