• Kamala vence debate, mas perde oportunidade de detalhar propostas, dizem analistas

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  • 11/set 12:31
    Por Jéssica Petrovna / Estadão

    As milhões de pessoas que assistiram ao primeiro e talvez único confronto direto entre Donald Trump e Kamala Harris viram um debate muito diferente daquele que encerrou a campanha de Joe Biden. Desta vez, foi o lado democrata que saiu vitorioso ao colocar o republicano na defensiva.

    “Kamala conseguiu o que Biden não conseguiu: colocar Trump na defesa, em uma posição de desconforto”, afirma o professor de Relações Internacionais de ESPM Roberto Uebel.

    “Acredito que os democratas se saem mais aliviados neste debate na mesma proporção em que os republicanos veem um sinal de alerta, especialmente para os Estados-pêndulo. Os democratas conseguiram calcular bem os pontos frágeis de Trump”, acrescenta. “Sem sombra de dúvidas, ela venceu o debate.”

    O debate foi acalorado, com foco em economia, imigração e política externa. Kamala conseguiu pressionar Trump e levantou questões sobre os seus processos criminais, o Projeto 2025 – plano de governo conservador do qual o republicano tenta se desvencilhar – e o ataque ao Capitólio.

    Kamala fez ainda uma defesa enfática do aborto, questão incômoda para Donald Trump, que tenta calibrar a sua posição. “Esse é um dos pontos fortes de Kamala”, afirma Cristina Pecequillo, professora de Relações Internacionais da Unifesp. “Para os democratas é um campo de debate que atrai tanto progressistas quanto conservadoras moderadas.”

    Em alguns momentos, Trump se mostrou desconfortável e até mesmo irritado. Foi o que aconteceu quando a democrata sugeriu que os comícios do republicano seriam exaustivos e entediantes.

    “Primeiro, deixe-me responder sobre os comícios”, disse Trump quando David Muir, o moderador da ABC News, tentou virar o debate para imigração, um dos temas favoritos do republicano. “As pessoas não abandonam meus comícios, temos os maiores comícios, os comícios mais incríveis da história da política”, seguiu.

    No tema imigração, Trump mais uma vez mordeu a isca, espalhando teorias da conspiração ao alegar falsamente que haitianos em Ohio estariam comendo animais de estimação. A afirmação foi desmentida ao vivo por Muir.

    “Kamala começou um pouco mais nervosa, mas ganhou confiança, conseguiu responder às perguntas e atacar Trump”, avalia Roberto Uebel. “Trump, por outro lado, foi alvo de Kamala, que relembrou as condenações recentes do ex-presidente e ainda o chamou de amigo de ditadores.”

    Na política externa, Trump apontou o que vê como fracasso do governo democrata, repetindo que as guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza não teriam ocorrido se ele estivesse na Casa Branca. Em mais um ataque, Kamala disse que o mundo ri do seu adversário. “Viajei pelo mundo como vice-presidente dos Estados Unidos, e os líderes mundiais estão rindo de Donald Trump”, disse ela.

    Trump, por sua vez, questionou Kamala Harris sobre a herança do governo Joe Biden, ao ponto em que ela chegou a declarar: “É importante lembrar ao ex-presidente – você não está concorrendo contra Joe Biden, está concorrendo contra mim”.

    Na política externa, ela defendeu posições do governo, como o apoio à Ucrânia na guerra contra a invasão russa. “Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev agora”, disse ela. Na economia, por outro lado, tentou se desvencilhar do atual governo, que Donald Trump culpa pela inflação.

    “Os democratas tentam esconder Joe Biden enquanto Trump fala dele o tempo todo. Kamala praticamente ignorou o legado de Biden na economia, buscando criticar Donald Trump e dar algumas pistas da sua promessa de ‘economia da oportunidade'”, afirma Cristina Pecequillo.

    “Acredito na ambição, nas aspirações e nos sonhos do povo americano, e é por isso que imagino e tenho de fato um plano para construir o que chamo de uma economia de oportunidades”, disse Kamala Harris no primeiro bloco do debate. “Por outro lado, o plano do meu oponente é fazer o que ele já fez antes, ou seja, oferecer um corte de impostos para bilionários e grandes corporações.”

    Nesse aspecto, Cristina Pecequillo avalia que Kamala Harris perdeu uma oportunidade de detalhar aos eleitores o que pretende fazer, com propostas concretas. “Kamala também não respondeu à pergunta sobre as suas repetidas mudanças de posição. Destacou apenas que os seus valores não mudaram. O eleitor então se pergunta: mas qual a posição dela?”

    Escondida pelos democratas durante o governo, ela ainda é considerada pouco conhecida pelos eleitores. Em pesquisa New York Times/Siena College no fim de semana, quase 30% achavam que ainda precisavam saber mais sobre Kamala. Metade deles disse especificamente que queria conhecer mais sobre suas propostas políticas.

    Ao longo do debate, ela reforçou a aposta na contradição entre a promessa de futuro e o retrocesso que atribui a Donald Trump – “We are not going back, diz o lema informal da campanha democrata. Mas sem dar muitos detalhes sobre as suas propostas ou como pretende implementá-las.

    Donald Trump tentou atacar as fragilidades da campanha democrata: “Ela começou dizendo que vai fazer isso, vai fazer aquilo, vai fazer todas essas coisas maravilhosas. Por que ela não fez isso? Ela está lá há três anos e meio”.

    Foi o mesmo questionamento que ele fez enquanto Kamala Harris discursava na Convenção Nacional do Partido Democrata. Acontece que, no debate, ele só sacou essa carta da manga nas considerações finais, quando boa parte do público já não estava mais prestando atenção.

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