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  • 25/ago 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    A morte ainda me deixa desajustado com o destino, porque ela estabelece lógicas fora da racionalidade que os nossos desejos tentam impor à vida. No imprevisível, está o calcanhar da angústia. O que angustia nem sempre tem rédeas de controle. Por isso que o desespero é água na pedra da nossa resistência: tanto bate que um dia fura…

    O tempo tem apascentado os meus conflitos. Mas, às vezes, fico assim desencontrado, à deriva no mar das dúvidas. De repente, vem uma onda de situações inexplicáveis, repleta de fatalidades e desestrutura as poucas certezas que ainda me restam…

    Começar do que já foi recomeçado, porque não há mais chance de voltar ao início: – Seguir… Como?… Por onde?… Até quando?…

    Perder-se dentro de si não é exclusividade de ninguém. Os entes humanos que passam por este planeta sabem que a porta de saída é mais larga do que a da entrada. E nesta travessia, a dor vem em doses imprevisíveis. Quando, inesperadamente, sou afetado por ela, perco a voz, porque não encontro palavras. E movido pelo silêncio, procuro a resignação diante do inexorável. A irreversibilidade da morte sempre canaliza para o desespero. A fé é que estanca esse sangramento provocado pela ausência de uma pessoa querida. 

    Com familiares e amigos, formamos um corpo social atado por vínculos de afetividade. Quando esses laços afetivos são desatados pela partida de um ente querido, nasce um vazio que se preenche com lembranças, que servem como bálsamo nos momentos em que somos atingidos pela saudade…

    Estou aqui tentando assimilar a perda de um amigo que, para mim, continuará entre as minhas referências de simplicidade. Ensinou-me a procurar o ponto de equilíbrio nas adversidades. O comprometimento dele com o servir me ajudou a conter impulsos de rebeldia juvenil. Ele sabia conciliar ideias divergentes…

    Lembro nitidamente o dia em que, nos degraus da escada da Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, no Rio de Janeiro, ele me disse:

    – Vou entrar pro seminário, vou ser frei…

    – Tem certeza?…

    – Sim! É isso que eu quero…

    – Quanto tempo você vai estudar pra ser frei?

    – 10 anos…

    – O quê? Dez anos? Isso tudo!…

    – Sim. Eu vou concluir o segundo grau lá. Depois é que eu vou fazer Teologia, Filosofia e os outros cursos…

    Ele deixou o emprego. Viajou para Curitiba. Optou por uma formação franciscana. Quando voltou em férias, nós nos encontramos, após a missa das 17:00 horas, que tinha participação mais efetiva dos jovens. E nos mesmos degraus, ele me disse:

    – Agora só faltam nove anos. Um já foi…

    Toda vez que nos encontrávamos no período de férias, fazíamos a contagem regressiva. Até que um dia, não tínhamos mais o que contar, ele havia sido ordenado presbítero em 18 de julho de 1992, na Ordem dos Frades Menores. Depois da sua ordenação, celebrou a primeira missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, na qual havíamos participado do grupo de jovens. Também participávamos de um grupo de formação que recebia orientações do Mosteiro de São Bento.

    Após a celebração da missa, entrei na longa fila que se formou para cumprimentá-lo naquele momento tão sublime:

    – Viu, passou rápido! Já se foram dez anos…

    – É! Realmente o tempo voou. Agora, se eu casar, você é que vai celebrar o meu casamento…

    Quando o abraço reflete o mútuo afeto, não há como esquecê-lo. O tempo passou. Ele seguiu em ações missionárias. Eu segui a minha sina pelo magistério. Passamos a nos encontrar, quando possível, em Petrópolis: ele, às vezes, ficava no convento franciscano da cidade e eu já leciona por aqui.

    Um dia, eu e Marta fomos a Paty do Alferes para pedir que ele celebrasse o nosso casamento:

    – Vai ser um prazer participar dessa celebração. Mas vocês vão me prometer que não vão se separar…

    Prometemos perante ele sem protocolo algum. Rimos de algo tão informal. Nos primeiros atritos domésticos, ela falava: “não esqueça o que você prometeu ao Frei Milton”…

    Em 24 de julho de 1999, o nosso casamento se realizou na Catedral de Petrópolis e contou com a presença do vigário da paróquia na época.

    Em 24 de agosto de 2024, fomos nos despedir dele na Paróquia São Francisco de Assis, em Queimados, região da Baixada Fluminense. Vi os frutos de uma vida doada. O Frei Milton, o Padre Milton estava ali presente no coração de tanta gente. As minhas lágrimas apenas se juntaram a de tantas outras pessoas em um ato de gratidão a Deus:

    – Obrigado, Milton, você foi um mestre na cátedra da humildade…

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