Mães criam rede de apoio para dar suporte a famílias com filhos autistas
Caroline tem 29 anos, recebeu o diagnóstico de transtorno desintegrativo (que está dentro do espectro de autismo severo) quando tinha entre 7 e 8 anos. A resposta veio atrasada, quase cinco anos após a primeira tentativa dos seus pais de encontrar uma resposta para os primeiros sinais que ela apresentava. “Há 30 anos, as pessoas não sabiam o que era o autismo, o primeiro diagnóstico que deram para Caroline com 3 anos, era de retardo mental”, contou a mãe, Graça Maduro. Nem mesmo passando pelos institutos de neurologia, genética e psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na época, o diagnóstico foi concebido.
Graça Maduro e a filha Caroline: dificuldades compartilhadas na internet. Bruno Avellar/Tribuna de Petrópolis
“Com 3 anos, eu já tinha um diagnóstico de autismo nela dado por uma psicóloga, que era uma menina mais jovem. Exatamente por ser mais jovem, eu não acreditei”. Graça é formada em assistência social e, embora na ocasião trabalhasse na área da saúde, também desconhecia o autismo. “Ouvia-se muito pouco sobre o autismo. Naquela época não tinha internet, então eu lia aqueles livros enormes. E quanto mais eu lia, mais desesperada eu ficava”.
A falta de informação é o primeiro desafio enfrentado por pais de pessoas com autismo. Boa parte conta que a primeira suspeita aparece em uma sala de psicologia, psiquiatria ou fisioterapia. Muitos profissionais da área médica têm receio de dar o diagnóstico de autismo, justamente por não conhecerem a fundo sobre o espectro, como explica a fisioterapeuta Verônica Guerra. “Há um desinteresse muito grande de profissionais. Porque é um desafio conhecer um autista quando se está diante dele. Precisa se desdobrar, sair da zona de conforto para fazer isso, para conhecer aquela pessoa”.
Em torno do transtorno do espectro autista (TEA) há mais mitos do que verdades. O primeiro deles é de que todos os autistas não olham nos olhos e não gostam de contato físico, como abraços e carinho. Verônica explica que dentro do TEA há alguns sinais que são comuns, como estes citados, mas cada pessoa tem sua individualidade e nem sempre os sinais são os mesmos. “Há uma visão muito limitada do autismo. O autismo tem suas comorbidades, mas é uma condição de ser”.
Buscar um diagnóstico vai além de buscar resultados, mas é o ponto de partida para conhecer o indivíduo na sua totalidade. “É importante frisar que o diagnóstico não é uma limitação, mas um norteador para buscar os benefícios e o auxílio profissional que a pessoa precisa”, disse Verônica. E o quanto antes descobrir por onde iniciar esse caminho, mais cedo é possível estimular o desenvolvimento a partir das potencialidades de cada indivíduo.
Mas como o grau de autismo da Caroline é considerado severo, com o passar dos anos, embora tivesse acesso a todos os tratamentos, suas funções psicomotoras foram regredindo. A jovem hoje pouco fala e já não anda mais. Graça criou a página no facebook “O autismo em minha vida” para compartilhar os desafios e as alegrias diárias com a Carola, como é carinhosamente chamada. Após anos sem expor o transtorno da filha, na rede social a mãe encontrou um espaço para falar sobre a invisibilidade, preconceito e a romantização do TEA.
“Precisamos falar e mostrar que nossos filhos e famílias vivem isoladas da sociedade porque não somos aceitos e compreendidos. Que nós, mães, abrimos mão de nossas vidas para cuidar, amar e defender nossos filhos. Muitas vezes sem o apoio da família e todas sem o apoio governamental. Precisamos que sejam criadas formas efetivas de ajudar, para que possamos deixar de ver a vida passar pela janela de casa e, ao contrário, possamos ver nossos filhos efetivamente inseridos na sociedade”, desabafa Graça em uma de suas postagens na página da rede social.
Rede de apoio psicológico e social também para as famílias
Bianca, uma das fundadoras do grupo, e seu filho Artur. Divulgação
O desabafo de Graça é semelhante ao de muitas mães que têm filhos com autismo – famílias que enfrentam incontáveis vezes a solidão enquanto buscam caminhos para a inclusão social, educacional e acesso à saúde. Pensando nisso, três mães de crianças autistas se juntaram para formar o Núcleo Compartilhar.
De troca de informações sobre como lidar com as comorbidades do espectro autista a informações sobre direitos básicos, as famílias encontraram no núcleo um acolhimento psicológico que nem sempre são disponibilizadas nas redes assistenciais. A troca de experiência diária tem fortalecido vínculos e ajudado a movimentar pais e responsáveis envolvidos na causa para lutar por mais políticas públicas pela população com autismo.
Não há dados sobre quantos autistas há na cidade e nem mesmo no país. Isso porque não há levantamento oficial sobre essas pessoas. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei nº 13.861/2019, que inclui, no censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informações específicas sobre pessoas com autismo.
Para a empresária Bianca Ornellas, uma das fundadoras do Núcleo Compartilhar, a inclusão no Censo 2020 é uma vitória importante para a criação de políticas públicas para as pessoas com autismo. “É importante abrir conversa na mídia, espaço nas escolas e capacitar e informar a área médica. Hoje temos políticas de inclusão que não são de inclusão, são de aceitação. Ainda as crianças que podem pagar pelas terapias, muitas vezes não têm acesso”, lamenta. Bianca é mãe do Arthur Pandini, de 3 anos, que recebeu ainda cedo o diagnóstico de autismo.
Arthur e a Helena do Nascimento, de 4 anos, filha de outra fundadora do Núcleo, a Rafaela Amorim, tiveram a chance de descobrir o diagnóstico na intervenção precoce, quando o espectro é identificado antes dos 5 anos. Rafaela explica que com a intervenção ainda cedo, o trabalho feito com a Helena através das terapias já estão mostrando resultado positivo nas comorbidades do espectro.
O espectro autista possui alguns graus. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais cedo as famílias podem encontrar caminhos para ajudar no desenvolvimento da criança.
Nesta busca por respostas, o Núcleo Compartilhar deu início a um projeto com eventos para informar pais e responsáveis por crianças com autismo sobre seus direitos e viabilizar formas de ajudar também as famílias. O primeiro evento está marcado para o próximo fim de semana (dias 27 e 28). Um ciclo de palestras com a temática Vivenciando o Autismo. O evento, gratuito, em menos de 10h teve todas as inscrições esgotadas. Bianca contou que ficou surpresa com o retorno, e que isso reforça a necessidade de construção de pontes e um movimento que ajude a criar um olhar empático para retirar os autistas da cortina de invisibilidade em que vivem.
Assistência básica social e acesso à saúde são um longo caminho a ser trilhado
Rafaela e a filha Helena: demora em conseguir consultas é um problema. Divulgação
Nos desafios diários dessas famílias está a busca por terapias e, mais do que atendimento, acolhimento na rede pública de saúde. No município, a Secretaria de Saúde oferece atendimento no Centro de Atenção Psicossocial Infantil Sylvia Orthof, com médico psiquiatra, enfermeiro, assistente social e terapeuta ocupacional. Segundo a prefeitura, a rede de saúde conta com atendimento de fonoaudiologia, no Centro de Saúde, e de neuropediatra, no Ambulatório de Especialidade Maria Célia Machado.
Na vivência com os pais, Rafaela contou que muitas vezes encontrou famílias que não conseguiam o diagnóstico pela demora em conseguir consultas na rede pública. “A longa fila de espera pelo diagnóstico e a falta de preparo dos profissionais atrasa muitas vezes o diagnóstico”. Ela conta que muitas vezes são os pais que têm que encontrar o caminho para buscar a melhor terapia para o filho, “porque cada profissional fala uma coisa, e a gente que tem que encontrar o caminho que melhor vai se adaptar ao filho”, disse. O número reduzido de profissionais leva à espera de mais de seis meses por uma consulta.
Na rede pública, ainda há os Centros de Referência de Assistência Social, onde, segundo a prefeitura, é oferecido suporte para que os usuários sejam inseridos em programas para benefícios dos governos federal e estadual.