Não basta ser ‘artista’ e famoso; para ganhar a eleição, Datena E Marçal têm que performar
O apresentador José Luiz Datena (PSDB) e o influenciador digital Pablo Marçal (PRTB), candidatos a prefeito sem experiência política, contam com o fator “fama” para dar uma força no seu desempenho nas urnas. Não por acaso, saíram do fim da fila: ultrapassaram, por exemplo – segundo a última pesquisa Quaest -, a candidata Tabata Amaral (PSB), deputada federal em seu segundo mandato. Datena apareceu praticamente empatado com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disputa a reeleição, e com o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) que concorreu ao governo estadual em 2022. De agora em diante, porém, o desafio será muito maior. “Não basta ser artista. Tem que performar”, responde o cientista político Antônio Lavareda, acrescentando: “A fama ajudou a chegar até aqui. Mas, se o candidato só tiver essa qualificação, vai cair no meio da corrida.”
O debate promovido pelo Estadão na última quarta-feira, 14, em parceria com a FAAP e o portal Terra, comprovou a dificuldade que as “caras conhecidas” podem enfrentar ao longo de uma campanha. Pesquisa qualitativa com eleitores mostra que Datena decepcionou -começou o debate com dois eleitores e saiu sem nenhum- e que Marçal, além de perder os dois eleitores que tinha, é o mais rejeitado, com oito eleitores do grupo descartando votar nele.
Na opinião de marqueteiros, é certo que famosos têm mais tração na largada. A campanha, entretanto, é uma prova de longa distância. É preciso fôlego, neste caso conteúdo e recursos, para vencer. “Meu grande desafio é mostrar que Datena é um bom administrador. É mostrar além do apresentador”, diz o marqueteiro Felipe Soutello, que atua em campanhas do PSDB desde 1988 – à exceção da de João Dória, em 2016.
A exposição de Datena
O candidato de Soutello teve uma exposição, no programa que comandava na TV aberta, de três horas e vinte minutos, de segunda a sábado, ao longo dos últimos 21 anos. O apresentador é tão conhecido que, depois de uma visita ao Mercado Municipal de São Paulo, resolveu não fazer mais aparições em locais públicos, apesar de precisar de votos; ele disse na ocasião que, quando chegava, provocava um tumulto e perturbava o local. Datena comandava um programa bastante popular de reportagens e notícias policiais ou de interesse do consumidor, abordando assuntos como a violência na cidade – com assaltos, assassinatos e todo tipo de tragédia ligada a eles – e aumentos nos preços da gasolina e dos alimentos.
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ainda não calculou a fatia de cada candidato no horário eleitoral gratuito, que terá 20 minutos duas vezes ao dia e começa no próximo dia 30. Porém, considerando as regras, que concedem a todos um minuto e dividem o restante proporcionalmente pelo tamanho das bancadas, em um único dia de programa Datena contava com mais tempo de exibição diária do que terá durante os 34 dias de campanha no rádio e na TV. E, mesmo que tenha deixado o programa por causa da Lei Eleitoral, seu filho Joel Datena assumiu o comando da atração.
“A boa largada do próprio Datena é um exemplo do quanto o conhecimento alavanca o candidato. Mas os desafios vêm depois”, explica o marqueteiro Pablo Nobel, da agência PLTK. Nobel e sua equipe chegaram a trabalhar no começo da campanha de Tabata Amaral, mas discordaram da estratégia e deixaram o projeto. Em 2022, fizeram a campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e também participaram da eleição atual presidente da Argentina, Javier Milei. Em 2018, Nobel trabalhou na campanha presidencial do hoje vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
Desta vez, diz Nobel, a campanha reuniu dois políticos tradicionais, associados à polarização e à disputa entre bolsonaristas e petistas (Ricardo Nunes e Guilherme Boulos), e dois outsiders que passaram a disputar o território com eles palmo a palmo. E, se em um primeiro momento os “conhecidos” oferecem essa familiaridade que torna a escolha mais fácil, com o passar dos dias, os debates, as entrevistas e as atividades que são acompanhadas pelos eleitores podem fazer com que as preferências mudem. “Eles precisam ter em vista que eleitores são ‘mercadorias’ caras e difíceis de conquistar e que, se agora eles têm 20, para chegar à Prefeitura precisam de 50+1”, aponta Nobel.
Força incomum nas redes sociais
Com um público muito diferente daquele que assistia ao programa de Datena, Marçal adquiriu fama e fortuna por meio da internet, que impulsionou as atividades empresariais às quais se dedica. Seu maior sucesso são as palestras e também os programas em seu canal do YouTube, em que promove cursos e conferências com um discurso que mistura religião e autoajuda. Quase sempre vestindo um bermudão, camiseta, boné e tênis, ele ensina aos seus acólitos receitas de prosperidade e fórmulas para enriquecer, além de dar conselhos para ter sucesso no emprego ou na própria empresa. Os preceitos, que segundo ele partem das suas vivências pessoais, são replicados em todas as mídias sociais associadas ao seu nome e chegam a atingir, só no Instagram, 12 milhões de seguidores.
Diferentemente dos demais candidatos, famosos ou não, que contrataram marqueteiros, o empresário afirma que não terá ninguém fazendo esse papel. “Se fosse em 2010, eu estaria até preocupado. Mas agora, em 2024, dá até dó de campanha eleitoral gratuita. Ninguém para mais para ver televisão. Agora, celular, vamos estar em todos”, diz Marçal.
O marqueteiro Sidônio Palmeira, que fez a campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva e hoje é um dos conselheiros do presidente, compara os candidatos já conhecidos às marcas que a população conhece e em que confia. Mas lembra que, nesta eleição em São Paulo, os candidatos “não famosos” também não são desconhecidos. O prefeito Ricardo Nunes, diz Sidônio, ainda que não seja um político dos mais populares, não pode ser considerado um desconhecido. E o mesmo se aplica a Guilherme Boulos, conhecido desde que era uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Voto herdado de ‘recall’ não é cristalizado
O cientista político Andrei Roman, cofundador do instituto de pesquisas AtlasIntel, recorre ao método que costuma ser usado nos levantamentos – o pesquisador mostra um cartão com os nomes dos candidatos e pergunta em quem o eleitor votaria- para explicar por que o voto nos “famosos” não é cristalizado. “O eleitor ainda não pensou nisso [em quem votar]. Mas aí vê o nome de Datena. Ele conhece, não tem nada contra e marca o nome do apresentador, que não inspira antipatia imediata. Mas essa não é uma intenção de voto cristalizada”, explica. Na opinião de Roman, esse tipo de candidato desidrata muito rápido.
“No caso de Marçal”, afirma o cientista político, “o crescimento dele decorre da busca de um candidato mais radical e identificado com o bolsonarismo”. O eleitor do “influencer” seria aquele que não vê Ricardo Nunes, formalmente apoiado por Bolsonaro, com um discurso mais duro e mais dedicado a pautas de costumes.
A pesquisa mais recente do Atlas, instituto chefiado por Roman, mostra que os “famosos” não se saíram tão bem, diferentemente do aferido por outros institutos. O levantamento divulgado na quinta-feira, 8, mostra Boulos ainda na liderança da corrida pela Prefeitura de São Paulo, com quase oito pontos percentuais a mais que Nunes, atual prefeito (32,7% contra 24,9%). O levantamento registra ainda Marçal, Tabata e Datena empatados na terceira posição, dentro da margem de erro da pesquisa: Marçal tem 11,4%, Tabata tem 11,2% e Datena tem 9,4%.