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  • 18/ago 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Às vezes, o tema de uma crônica vem assim como consequência do acaso. Mas é preciso manter-se aberto para aceitar os desafios. Não creio tanto na inspiração, sou mais adepto à transpiração, à percepção, à análise crítica…

    Gosto dos fatos que não viram notícias, das peculiaridades que passam despercebidas. Tento, portanto, seguir pelas orientações do mestre Drummond. Não sou criativo, não tenho habilidades para ficção, por isso me apego às reflexões. Gosto do pensar, do matutar o juízo, mas sem “pre-tensão” de buscar respostas para o inexplicável que a vida expõe por ordem do destino.

    Viver é compartilhar. Escrever é um ato de partilha. A realidade que nos circunda pode ser menos árdua quando se aprende a suportar o peso do fardo que carregamos. Mas a força para suportá-lo aumenta quando temos a certeza de que não estamos sozinhos. Por isso que o companheirismo construído nesta travessia solidifica as amizades; hoje algo raro, apesar de ser tão necessário.

    Foi assim, pelo fruto de uma amizade, que eu e Marta recebemos um convite para almoçar na casa de um amigo no domingo, Dia dos Pais. Filhos, netos, bisnetos reunidos a festejar a vida de um “Paizão”.  Aproveitei essa oportunidade para falar de um trabalho que estamos realizando juntos. Como estávamos entretidos pelos assuntos da nossa pauta, fomos surpreendidos por um dos bisnetinhos dele:

    – Quelo tuco? – Com uma mamadeira na mão, apontou para o suco que estava sobre a mesa. O bisavô, com voz pacífica, disse-me:

    – Essa mamadeira não é dele! É do irmão! – Mas foi nela, que ele bebeu o suco e pediu mais…

    Como sou apaixonado pelas palavras, a emissão dos fonemas daquela criança desviou a minha atenção. Passei a ficar mais atento à conversa dos meninos. Não havia problema de linguagem. Todos se entendiam muito bem. Troca de fonemas, omissões de sílabas, nada atrapalhava a brincadeira deles.

    Fiquei observando, tentando identificar quem mais apresentava a dislalia, fato comum entre as crianças quando estão no processo de aquisição da linguagem oral. Nesse processo, é frequente a troca de fonemas, a omissão de sílabas…

    A dislalia é mais constatada na infância, na etapa da aquisição da linguagem na interação social. Isso geralmente ocorre nos primeiros quatro anos de idade. Precisamos ter um carinho especial com as crianças para que elas não se sintam rejeitadas pela dificuldade que encontram na assimilação das palavras de forma correta. Temos que dar atenção a essas fases que elas vivenciam. A dislalia pode ser um reflexo de problemas fisiológicos e/ou neurológicos. Os cuidados são imprescindíveis para que um processo natural não venha se tornar problema psicológico.

    As dificuldades que as crianças sentem estão mais voltadas para a pronúncia dos fonemas consonantais. As vogais são assimiladas com mais facilidade. Assim como não devemos demonstrar que estamos achando “graça” pelas variações de pronúncia, para não motivar a permanência no erro, também não se deve hostilizá-las para não desencadear sentimento de inferioridade. Essa situação precisa ser tratada com seriedade e com muito carinho para não inibir a criança na manifestação do pensamento. Tenho essa preocupação linguística, porque conheço bem o esforço para superar uma dislexia…

    Na quinta-feira (15/08), enviei uma mensagem, no grupo da família, em razão do aniversário de uma sobrinha neta que mora em Teresina. Ela me deu um lindo retorno:

    – Bigada, vovô do Rio…

    Explico:  para ela, sou o vovô do Rio pela semelhança física com o meu irmão. Quando nos encontramos no Rio de Janeiro, mais precisamente, no Forte de Copacabana, ao me enxergar à distância, saiu do colo do pai, meu sobrinho, e veio correndo em minha direção. De repente, deu uma parada brusca e ficou em pé me olhando. A mãe dela, logo conclui:

    – De longe, ela pensou que era o meu sogro. Quando chegou perto percebeu que não era. Por isso que ficou parada sem entender…

    A partir desse dia, passei a ser chamado, por ela, de vovô do Rio.

    Gosto muito dessa aprendizagem que provém das crianças. Não discriminam nenhum tipo de linguagem. Não carregam padrões linguísticos que possam gerar discriminações. Precisamos compreender melhor a linguagem delas. As crianças ensinam mais do que aprendem…

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