• Metade das crianças chegam ao 3º ano do Fundamental sem saber ler

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  • 19/06/2019 16:50

    Mais da metade das crianças brasileiras chegam ao final do 3° ano do ensino fundamental sem saber ler e compreender textos variados, o que prejudica o aprendizado dos demais componentes curriculares nas diferentes etapas de formação. É o que revela a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA 2015). 

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    Em Petrópolis, 80,3% dos 3.424 alunos matriculados no 3º ano obtiveram condições de aprovação no ano passado, segundo o Censo. Mas, o resultado sofre críticas de professoras municipais, que conversaram com a Tribuna e disseram haver dificuldade na alfabetização de alunos no ciclo básico em escolas públicas, situação que identificaram em muitas das turmas que passaram por elas.

    Neide, de 59 anos, é professora há 15 anos na rede municipal de Petrópolis e já passou por diversas escolas, como a Escola Municipal Senador Mario Martins, no Caxambu; a Escola Paroquial Carlos Demia, no Retiro; a Escola Municipal Professora Jandira Peixoto Bordignon, no Quitandinha; a Escola Municipal Governador Marcelo Alencar, no Quitandinha; a Escola das Comunidades Santo Antônio, no Alto da Serra; e a Escola Municipal Geraldo Ventura Dias, também no Alto da Serra. Para ela, os dados da Avaliação Nacional de Alfabetização refletem a realidade da cidade. 

    “Eu percebo muita, muita dificuldade nos alunos nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Nós temos vários alunos no 2°, no 3° ano que ainda não sabem ler. Pela minha experiência, eu vejo que o problema é do sistema”. Neide, assim como outras professoras, critica a “progressão continuada”, que entrou em vigor em Petrópolis em 2013 e que prevê que a alfabetização das crianças ocorra nos três primeiros anos do Ensino Fundamental e não mais em apenas um. É o chamado Ciclo de Aprendizagem. 

    Dessa forma, alunos que não obtiveram média suficiente, em vez de ficarem retidos ao fim do ano letivo, são promovidos para o ano seguinte, na expectativa de alcancem o aprendizado no próximo ano. A retenção só ocorre ao final do 3º ano para aqueles que não atingirem os objetivos necessários para o ingresso no 4º ano. Mas, na visão das professoras, o regime tem mais prejudicado que ajudado.

    “A criança vai sendo promovida, ela tem o direito de ir para o próximo ano sem ter aprendido. Mas na prática não dá certo, porque cada ano tem um professor diferente. Ele não tem condição de dar aquilo que a criança não aprendeu no ano anterior. Eu diria até que é impossível”, disse Neide.

    Para a professora Carla, de 51 anos, a progressão continuada em teoria é boa, mas na prática não tem funcionado, pois as escolas não têm oferecido o reforço previsto pela lei aos alunos que não alcançaram a média. “A verdade é que as crianças ficam jogadas. Passam para o ano seguinte, onde recebem um conteúdo didático novo sem terem aprendido o anterior. Não há aulas de reforço, acompanhamento, nada”.

    Carla deu aula no 1°, 2° e 3° anos da Escola das Comunidades Santo Antônio, no Alto da Serra, e conta que no 3° ano cerca da metade dos alunos não sabia ler. “Eu chegava em casa arrasada. Eles me diziam que não sabiam ler. Alguns não sabiam nem o alfabeto. Foi depois disso que eu não quis mais dar aula para o Ensino Fundamental na rede pública, Como eu ia dar aula para três, quatro níveis diferentes em uma mesma turma? Ou eu ia me matar de trabalhar para fazer diversos planejamentos de aula, ou eu ia seguir o conteúdo didático, ignorando aqueles que não sabiam ler. Eu acho que ia ficar doente”, contou. Hoje, Carla leciona para o Ensino Infantil da rede municipal e para o Ensino Fundamental da rede privada.

    O economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, apresentou um diagnóstico da alfabetização no Brasil, no qual um dos dados preocupantes é que crianças pobres se alfabetizam um ano mais tarde do que as ricas. "No nosso sistema educacional, a alfabetização desnivela o ponto de partida, o que é péssimo para quem acredita que a educação é a base para construir uma sociedade mais igualitária", afirmou Barros.

    A Prefeitura de Petrópolis não respondeu se o Município prevê aulas de reforço e/ou acompanhamento para os alunos que não tiveram média suficiente, mas informou que "as unidades escolares também têm autonomia para criar seus projetos interventivos". 

    De acordo com o Município, um instrumento utilizado como forma de avaliar o ensino é a Prova Petrópolis, que “funciona como monitoramento das aprendizagens por parte da Secretaria de Educação e apoio às necessidades das unidades, possibilitando intervenções e formações com foco na realidade dos estudantes da escola”. Ainda segundo a Prefeitura, outro instrumento foi a adesão do Município ao Pacto pela Alfabetização na idade Certa (PNAIC). De 2013 a 2018 passaram pela formação 2.212 professores que atuavam no ciclo.

    Por outro lado, as professoras reconhecem que os problemas para a alfabetização também passam por outros fatores, como a falta de suporte familiar, falta de diagnóstico para problemas de saúde (como problemas de visão, audição e neurológicos) e falta do devido acompanhamento especializado para alunos com deficiência. 

    “Temos necessidade de ter outros profissionais para nos auxiliar nesse processo de ensino. Por exemplo, temos vários alunos de inclusão [com deficiência] que não têm contam com o necessário acompanhamento de estagiário”,  comentou Neide. “Tenho também alunos cujos responsáveis não vão uma vez sequer à escola para pegar as avaliações. Não basta enviar as crianças para a escola. Tem que ter um acompanhamento familiar”, disse.

    Um outro olhar sobre a Educação

    Para o educador e pedagogo português José Francisco de Almeida Pacheco, as pessoas que criticam a progressão continuada não sabem do que estão falando, pois o sistema nunca foi implantado de fato no Brasil. 

    “As escolas têm aplicado provas que não provam nada e vão passando os alunos. Em um sistema de progressão continuada não poderia haver divisão de séries. Os manuais didáticos não poderiam estar por ano, mas por ciclos. Está tudo confuso. Nunca houve progressão continuada, de fato, neste país. É preciso mudar tudo”.

    Licenciado em Ciências da Educação, especialista em Leitura e Escrita, e mestre em Educação da Criança pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Pacheco defende que as escolas sejam sem turmas ou ciclos, provas, reprovações e sem campainhas que delimitam os horários. Ele é conhecido por ter fundado a Escola da Ponte, nas proximidades da cidade do Porto, que é totalmente diferente dos modelos tradicionais.  “Por que nos projetos que eu acompanho todas as crianças aprendem a ler e escrever em três meses?”, indaga.

    Para o pedagogo, falta trabalho em equipe no sistema de educação brasileiro. “O trabalho de equipe não existe nas escolas, o professor está sozinho na sala de aula – e isso é ainda é um resquício do século 19”.

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