• Polícia: governo prevê 16 situações obrigatórias para câmeras, mas deixa brecha sobre gravação

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  • 28/maio 15:10
    Por Paula Ferreira / Estadão

    O governo federal lançou nesta terça-feira, 28, as diretrizes para orientar o uso de câmeras nas fardas de policiais. O documento indica que os equipamentos devem preferencialmente ser acionados automaticamente (de modo ininterrupto durante todo o turno de serviço), mas admite a possibilidade de acionamento remoto por autoridades ou pelo próprio policial (nesse caso com objetivo de “preservar a intimidade durante as pausas e os intervalos de trabalho”).

    O documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública institui, no entanto, 16 situações nas quais os equipamentos não podem ser desligados pelos agentes de segurança, independentemente do modo de acionamento. Abaixo as 16 situações previstas:

    – No atendimento de ocorrências;

    – Nas atividades que demandem atuação ostensiva, seja ordinária, extraordinária ou especializada;

    – Na identificação e checagem de bens;

    – Durante buscas pessoais, veiculares ou domiciliares;

    – Ao longo de ações operacionais, inclusive aquelas que envolvam manifestações, controle de distúrbios civis, interdições ou reintegrações de posse;

    – No cumprimento de determinações de autoridades policiais ou judiciárias e de mandados judiciais

    – Nas perícias externas;

    – Nas atividades de fiscalização e vistoria técnica;

    – Nas ações de busca, salvamento e resgate;

    – Nas escoltas de presos;

    – Em todas as interações entre policiais e custodiados, dentro ou fora do ambiente prisional;

    – Durante as rotinas carcerárias, inclusive no atendimento aos visitantes e advogados;

    – Nas intervenções e resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional;

    – Nas situações de oposição à atuação policial, de potencial confronto ou de uso de força física;

    – Nos sinistros de trânsito;

    – No patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em que ocorram ou possam ocorrer prisões, atos de violência, lesões corporais ou mortes.

    A portaria orienta regas para uso de câmeras na Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Penal Federal; Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Penais dos Estados e do Distrito Federal; Peritos de Natureza Criminal dos Estados e do Distrito Federal; Guardas Municipais.

    O documento prevê três modelos de acionamento da gravação:

    – automático, quando: a) a gravação é iniciada desde a retirada do equipamento da base até a sua devolução, registrando todo o turno de serviço; ou b) a gravação é configurada para responder a determinadas ações, eventos, sinais específicos ou geolocalização;

    – por acionamento remoto: quando a gravação é iniciada, de forma ocasional, por meio do sistema, após decisão da autoridade competente ou se determinada situação exigir o procedimento; ou

    – por acionamento dos próprios integrantes dos órgãos de segurança pública para preservar sua intimidade ou privacidade durante as pausas e os intervalos de trabalho.

    A portaria acrescenta que “os órgãos de segurança pública deverão adotar, preferencialmente, o modo de gravação a que se refere a alínea ‘a'”, que cita a gravação ininterrupta.

    Questionado a respeito da brecha da portaria para admitir a interrupção da gravação, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o texto garante a integridade do conteúdo ao listar as situações em que é obrigatório o acionamento da câmera. Ele disse ainda que o acionamento pelo próprio policial só poderá ocorrer em casos de necessidade como idas ao banheiro, almoço, entre outras.

    “Há uma série de situações exaustivamente listadas que é obrigatório o acionamento das câmeras, independentemente da possibilidade que tem o agente de desligá-la no momento em que ele justificadamente ache que tem a necessidade de proteger sua intimidade e privacidade”, disse.

    De acordo com o ministro, os Estados têm autonomia para aderir às diretrizes ou criar suas próprias regras, no entanto, caso queiram financiar a compra de câmeras com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública ou do Fundo Penitenciário deverão adotar as orientações federais. As corporações ligadas à União, como a PF, a PRF, Polícia Penal Federal, entre outras, seguirão obrigatoriamente a norma.

    “Nós entendemos que num assunto tão controvertido, que desperta tantas dúvidas, era importante que estabelecêssemos diretrizes únicas para todo o País”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.

    A portaria estabelece ainda que o governo tenha a atribuição de oferecer treinamentos sobre uso de câmeras corporais e produzir orientações complementares sobre o uso desses equipamentos.

    Na semana passada, o lançamento de um edital para compra de 12 mil câmeras corporais pelo governo de São Paulo gerou críticas por prever o acionamento remoto e local dos equipamentos, alterando o modelo anterior de gravação ininterrupta.

    Diretrizes ‘similares’, diz secretário paulista

    O Ministério da Justiça e Segurança Pública consultou o governo paulista sobre os termos da diretriz. O secretário paulista, Guilherme Derrite, compareceu ao evento de lançamento das diretrizes e afirmou que o documento está alinhado com a política de câmeras de São Paulo, mas evitou cravar que o Estado vai seguir o protocolo.

    “Tem muita aderência ao que a gente está fazendo no Estado de São Paulo, especialmente o novo edital de licitações das Câmeras Corporais, nós estamos ampliando as funcionalidades do contrato atual no novo contrato”, afirmou Derrite. ” Como mencionei, as diretrizes estão bem similares, a tendência é que tenha bastante aderência.”

    Questionado sobre as situações previstas pela diretriz do Ministério da Justiça, Derrite disse que é preciso analisar as exceções antes de afirmar que todas serão seguidas pelo Estado.

    O Ministro Ricardo Lewandowski defendeu que seria desejável que todos Estados seguissem as diretrizes por conta de sua “qualidade técnica”, mas minimizou eventuais divergências com São Paulo a respeito do uso de câmeras corporais. Segundo ele, o Estado tem autonomia para traçar suas políticas de segurança pública.

    “Não temos nenhum conflito com qualquer Estado que seja, sobretudo estado de São Paulo, cada estado é autônomo para agir conforme suas necessidades”, disse o ministro.

    A formulação de um protocolo para orientar o uso de câmeras corporais pelas corporações brasileiras começou a ser feita ainda durante a gestão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino. No ano passado, além de começar a desenhar a diretriz, o ministério chegou a submeter um pedido de financiamento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ampliar o uso de câmeras nas polícias federais.

    Ao assumir, a gestão Lewandowski reafirmou o discurso e disse que a ampliação do uso das câmeras corporais era uma prioridade da pasta.

    Especialistas em segurança pública defendem o uso de câmeras como uma ferramenta para proteger tanto a população quanto os policiais em campo. Dados mostram que entre 2019 e 2022, a letalidade policial em São Paulo, um dos primeiros Estados a implementar o equipamento, caiu 62,7% após a adesão ao uso das câmeras.

    Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo afirmou que o texto foi bem construído e levou em consideração contribuições feitas durante consulta pública, mas ponderou o fato de a portaria estar alinhada com o que prevê o novo edital lançado em São Paulo.

    “O governo federal tem condição de induzir a política via repasse do fundo nacional de segurança e Estados que seguirem as diretrizes têm mais chance de conseguir recursos. É importante”, explica Carolina Ricardo. ” Mas acho que tem um ponto ali em relação à forma de gravação. Embora até diga que há uma preferência pela gravação ininterrupta, é uma portaria que dialoga muito inclusive com o novo edital aqui de São Paulo”.

    A advogada justifica especialistas na área têm se posicionado contra a medida de São Paulo por considerar que possa ocorrer um “desvirtuamento” das gravações, colocando em risco a política devido à possibilidade de a gravação ser interrompida. “É uma portaria que dá suporte para opção aqui de São Paulo”, diz.

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