• ‘Motel Destino’ busca uma relação que ignore a ‘pauta conservadora’

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  • 23/maio 07:02
    Por Luiz Carlos Merten / Estadão

    Tesão é a palavra certa, ao se falar no filme Motel Destino. “Só um país que ainda reprime o desejo precisa de um lugar desses”, avalia o diretor Karim Aïnouz. O filme começa com dois irmãos, um deles vivido pelo ator Iago Xavier, metidos com uma trambiqueira que os destaca para cobrar a dívida de um tal Francês. Mas Iago vai para a balada e termina no motel com uma mulher que o chama de “Amor!”, mas logo em seguida lhe aplica um golpe. Quando ele consegue sair, é para descobrir que o irmão, que foi para a ação sozinho, morreu. Caçado por seu bando, Iago refugia-se no motel. Envolve-se com Nataly, que é mulher de Assunção. O triângulo está formado, e é explosivo.

    O filme é coprodução brasileira, francesa, alemã, britânica e australiana. Foi alavancado por políticas públicas do governo do Ceará, que está investindo no audiovisual. Entre os projetos nas mãos de Karim está a adaptação do livro Favela High Tech, de Marco Lacerda, o submundo do sexo no Japão. Karim desistiu do projeto? Pois Motel Destino, com suas TVs que mostram a toda hora gente fazendo sexo, e os brinquedinhos, e o barulho nos quartos, bem pode ser uma compensação, ou uma preparação para o outro filme. “Vou fazer, sim, mas demorei para encontrar o recorte. O livro é sobre uma nipo-brasileira, não me encaixava nesse universo, mas aí surgiu o namorado, um argelino-brasileiro, como eu.”

    POPULAR

    Motel Destino nasceu com a vontade de ser um filme popular. “Gosto que os meus filmes interessem a plateias internacionais, do contrário não estaria em todos esses festivais. Mas quero que o público do Brasil, após esses cinco terríveis anos, também tenha um olhar para o meu trabalho.”

    O sexo é o motor da narrativa. O garoto chega a exclamar “Eu gosto de transar!”, usando uma expressão mais forte. O sexo impulsiona o desejo, mas isso é história. Os temas são outros. “Preocupa-me muito esse avanço dos evangélicos, com sua pauta conservadora. Sexo é prazer, é necessidade vital. Mas isso é só meio filme. Por intermédio do Fábio (Assunção), queria fazer a autópsia do macho brasileiro. Quem são essas pessoas? Por que agem assim?”

    Entre os dois está a mulher. “Todos os personagens são instáveis nesse filme, e ela mais ainda. Creio que os três têm raízes profundas nos filmes que fiz antes. O garoto, em Praia do Futuro. O Fábio tem muito a ver com o rei de Firebrand, meu filme invernal, em língua inglesa. E a Nataly é a mulher de todos os meus filmes, tentando afirmar seu espaço no mundo dos homens.” Um filme rigorosamente autoral, portanto. É o que ressalta todo o elenco. “Essa coisa do estabelecido que você falou me serve”, diz Fábio Assunção. “Terminei no ano passado uma relação de 33 anos com a Globo. Estou me sentindo num recomeço. Precisava de um personagem assim, com essa instabilidade.”

    PREPARAÇÃO

    Iago e Nataly. Ela tem mais experiência, é só o primeiro filme dele. “Tivemos uma preparadora incrível – a atriz Sílvia Lourenço -, mas no limite é o Karim que orienta a gente, que sabe o que quer. E ele ouve a gente, aceita sugestões”, diz Nataly. E Iago completa: “Vivemos praticamente naquele motel, fazendo a preparação. Ele dizia: ‘Para o som, ação!’. E a gente embarcava, numa entrega intensa. Era tudo ensaiado, coreografado. Não tínhamos medo. E havia uma preparadora de intimidade para evitar qualquer sugestão de malícia ou abuso. Foi tudo muito intenso”.

    Iago tem 24 anos, Nataly, 28. O filme pode marcar o momento da explosão para eles. O personagem dele atravessa o filme lutando contra tudo e todos, e até ele mesmo, para se manter à tona num mundo que o puxa para baixo.

    Um filme sobre personagens fraturados internamente também aposta nas próprias fraturas visuais. O interior é intencionalmente feio. As cores violentas ressaltam uma espécie de mau gosto. Que, aliás, parece em alta aqui em Cannes, com a acolhida da crítica a The Substance, de Coralie Fargeat. Só um diretor/autor seguro de suas intenções se arrisca assim. “A gente tenta”, e Karim solta seu sorriso. Despede-se. É tempo de se preparar para o red carpet.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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